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Artigo de Opinião

PALAVRAS APENAS

6/03/2021 08:03

Que me perdoe Gabriel Garcia Márquez, mas não me ocorreu melhor título para o texto deste mês, em que me apetece olhar para este ano que (já) passou, com tudo aquilo que nos foi dado viver: uma pandemia que adiou a vida, um medo que parou o mundo e uma esperança que, afinal, nunca permitiu que morrêssemos.

É ela que trago, agora, nestas palavras que embrulho em silêncio. Apesar de tantas incertezas, de tanta tristeza, de tanta morte, a Humanidade não deixou morrer esta luz que se anunciou desde o princípio.

Era março e a primavera acordava as flores e os pássaros ensaiavam cantigas novas nos beirais das casas. Era março e percebíamos que éramos protagonistas da História e que os heróis que haviam de aparecer nos livros (como serão os livros do futuro?) eram diferentes dos de antes:
eram os que lutavam contra a doença, contra o medo, contra a ansiedade;

eram os que faziam das suas casas o lugar de tudo - da escola, do trabalho, da igreja, da família; eram os que trabalhavam para que nada faltasse a quem não podia sair - de comida, de bebida, de cultura, de alegria, de espiritualidade; eram os que recolhiam o lixo que continuávamos a fazer; eram os que nos ligavam para saber se estávamos bem, se precisávamos de alguma coisa.

Era março e o milagre acontecia: nasciam crianças, as flores enfeitavam os quintais e os poetas puseram-se à janela para encantar as noites. E deram palmas. E cantaram. E rezaram. E inundaram as varandas de arco-íris. E repetiram até à exaustão "Vai ficar tudo bem". Repetiram-no em várias línguas, porque a esperança é universal.

Depois, foi o sol do verão e a carícia do mar na nossa pele; foi a Festa e o faz-de-conta que tudo podia ser como dantes; foi a vacina e a consciência de que sim, de que agora é que vai ser.

Ao longo deste ano, fizemos (e eu estou outra vez a roubar uma frase, agora de Fernando Namora) "das coisas fracas um poema", porque essa é a única forma de sobreviver ao que o espelho da existência nos devolve, em cada manhã.

A esperança tem qualquer coisa de divino. Por isso, não vamos desistir agora. Talvez seja preciso repensar as nossas prioridades, agora que abandonámos o caos aflito dos nossos dias de antes. Talvez seja preciso chorar para que as nossas lágrimas reguem o chão das coisas que perdemos. Talvez seja preciso acreditar. Porque este é o tempo da esperança anunciada. E não podemos (seria imoral perdermos) a oportunidade de a vivermos na inteireza de nós.

OPINIÃO EM DESTAQUE
Coordenadora do Centro de Estudos de Bioética – Pólo Madeira
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