MADEIRA Meteorologia

Artigo de Opinião

DO FIM AO INFINITO

7/02/2025 08:00

Na noite de quinta para sexta-feira da semana passada, ou seja, de 30 para 31 de janeiro de 2025, sonhei que tinha enlouquecido e foi um sonho terrível, um sonho que me deixou perturbado até hoje, porque eu estava mesmo louco, louco de verdade, o que, de resto, é algo que pode perfeitamente acontecer, como outra doença qualquer, considerando que a idade já me colocou no grupo de risco das maleitas ruins, aquelas que dão cabo da gente em três tempos, entre as quais a loucura.

No início, estava tudo normal. Eu era quem sou. Um tipo de tamanho médio, com 77 quilos (atenção: engordei quatro quilos nos últimos três anos), que às vezes parece um sem-abrigo, por causa da barba descuidada e da roupa velha e puída (eu já não compro roupa há mais de um ano, pois decidi gastar a que tenho até ao fim de cada peça), mas também há quem diga que o gajo parece um intelectual, por causa dos óculos redondos (o que eu andei para encontrar estes óculos e, contudo, não sou um intelectual!), e volta e meia também acontece falarem com ele em inglês, porque além de sem-abrigo tem um certo ar de estrangeiro.

No arranque do sonho, talvez ainda na quinta-feira, 30 de janeiro de 2025, eu era este gajo vulgar que se vê por aí quase sempre sozinho, às vezes ao volante de um Renault Clio com o logótipo de uma empresa de comunicação social, outras vezes a conduzir um Volkswagen Beetle Club (o carro não é meu, é da Pat), ou então a tomar um copo no Leque, ou no Fugacidade, ou em bares na zona da Ajuda (é onde eu moro), mas também o avistamos com frequência numa casa em Santo António (a herança que recebi dos meus pais), a brincar com um cão chamado Tonecas.

Penso que no decurso das primeiras horas de sexta-feira, 31 de janeiro de 2025, talvez até às duas da madrugada, eu continuava a ser quem sou, um gajo sossegado com aliança no anelar da mão esquerda (a Pat chegou quando eu já tinha 50 anos e foi o melhor que me aconteceu na vida), mas antes disso ele deu uma volta pelo mundo em modo vagabundo e escapou de todos os perigos e agora deambula na terra onde nasceu como um fantasma (eu vivo perdido no labirinto do pensamento), um tipo que todas as manhãs aparece no Plaza Madeira a tomar café com uma mulher linda, fina e elegante (ao lado da Pat o meu aspeto de sem-abrigo acentua-se desmedidamente), enfim, um gajo tranquilo que chega a casa todos os dias antes das oito da noite.

E foi então que, sem razão aparente, eu enlouqueci no sonho.

De repente, tirei a roupa e fiquei nu no meio da rua, algures na Estrada Monumental entre o Fórum Madeira e a rotunda do anjo, ou melhor, a rotunda do enforcado, e pus-me a enfrentar os carros como se fossem touros, usando as calças como capa de toureiro. Uma alucinação total! Era como se tivesse consumido uma daquelas substâncias psicoativas que tiram o juízo (há quem aposte que eu consumo drogas, mas está enganado – sou, isso sim, um grande apreciador de vinho), ou como um velho com Alzheimer, a correr nu no meio da rua, numa tourada destrambelhada com os automóveis e aquilo nunca mais acabava.

Devo confessar que, por um lado, a cena era cómica (eu próprio ri-me imenso da minha nudez, porque concentrava de forma patética todas as idades da minha vida – eu bebé, eu criança, eu jovem, eu adulto – e isso fazia-me rir à bandeira despregada), mas no essencial era uma cena profundamente trágica e triste e nunca mais acabava.

Nisto, vinda do nada, apareceu a minha mãe, ou a minha tia Teresa, ou as duas ao mesmo tempo, ou fundidas uma na outra, não consigo precisar. Sei que apareceram vindas do nada e acalmaram-me, fizeram-me vestir a roupa que estava espalhada na estrada – ou se calhar foram elas que me vestiram, como faziam quando eu era menino – e levaram-me para casa, deitaram-me na cama, preparam-me uma infusão de macela – sete grãos a boiar na chávena – e eu adormeci em paz e acordei feliz e andava agora no quintal a pensar que bom, já não estou louco, que bom, sou um homem saudável, quando de repente percebi que, afinal, tudo estava errado, tremendamente errado, porque a minha mãe e a minha tia Teresa – as mulheres que mais amei – já morreram há muitos anos, de modo que não podiam estar ali comigo.

Ou seja, eu estava mesmo louco.

OPINIÃO EM DESTAQUE

88.8 RJM Rádio Jornal da Madeira RÁDIO 88.8 RJM MADEIRA

Ligue-se às Redes RJM 88.8FM

Emissão Online

Em direto

Ouvir Agora
INQUÉRITO / SONDAGEM

Como avalia a sondagem da Intercampus para o JM e a JMFM?

Enviar Resultados
RJM PODCASTS

Mais Lidas

Últimas