Na noite de quinta para sexta-feira da semana passada, ou seja, de 30 para 31 de janeiro de 2025, sonhei que tinha enlouquecido e foi um sonho terrível, um sonho que me deixou perturbado até hoje, porque eu estava mesmo louco, louco de verdade, o que, de resto, é algo que pode perfeitamente acontecer, como outra doença qualquer, considerando que a idade já me colocou no grupo de risco das maleitas ruins, aquelas que dão cabo da gente em três tempos, entre as quais a loucura.
No início, estava tudo normal. Eu era quem sou. Um tipo de tamanho médio, com 77 quilos (atenção: engordei quatro quilos nos últimos três anos), que às vezes parece um sem-abrigo, por causa da barba descuidada e da roupa velha e puída (eu já não compro roupa há mais de um ano, pois decidi gastar a que tenho até ao fim de cada peça), mas também há quem diga que o gajo parece um intelectual, por causa dos óculos redondos (o que eu andei para encontrar estes óculos e, contudo, não sou um intelectual!), e volta e meia também acontece falarem com ele em inglês, porque além de sem-abrigo tem um certo ar de estrangeiro.
No arranque do sonho, talvez ainda na quinta-feira, 30 de janeiro de 2025, eu era este gajo vulgar que se vê por aí quase sempre sozinho, às vezes ao volante de um Renault Clio com o logótipo de uma empresa de comunicação social, outras vezes a conduzir um Volkswagen Beetle Club (o carro não é meu, é da Pat), ou então a tomar um copo no Leque, ou no Fugacidade, ou em bares na zona da Ajuda (é onde eu moro), mas também o avistamos com frequência numa casa em Santo António (a herança que recebi dos meus pais), a brincar com um cão chamado Tonecas.
Penso que no decurso das primeiras horas de sexta-feira, 31 de janeiro de 2025, talvez até às duas da madrugada, eu continuava a ser quem sou, um gajo sossegado com aliança no anelar da mão esquerda (a Pat chegou quando eu já tinha 50 anos e foi o melhor que me aconteceu na vida), mas antes disso ele deu uma volta pelo mundo em modo vagabundo e escapou de todos os perigos e agora deambula na terra onde nasceu como um fantasma (eu vivo perdido no labirinto do pensamento), um tipo que todas as manhãs aparece no Plaza Madeira a tomar café com uma mulher linda, fina e elegante (ao lado da Pat o meu aspeto de sem-abrigo acentua-se desmedidamente), enfim, um gajo tranquilo que chega a casa todos os dias antes das oito da noite.
E foi então que, sem razão aparente, eu enlouqueci no sonho.
De repente, tirei a roupa e fiquei nu no meio da rua, algures na Estrada Monumental entre o Fórum Madeira e a rotunda do anjo, ou melhor, a rotunda do enforcado, e pus-me a enfrentar os carros como se fossem touros, usando as calças como capa de toureiro. Uma alucinação total! Era como se tivesse consumido uma daquelas substâncias psicoativas que tiram o juízo (há quem aposte que eu consumo drogas, mas está enganado – sou, isso sim, um grande apreciador de vinho), ou como um velho com Alzheimer, a correr nu no meio da rua, numa tourada destrambelhada com os automóveis e aquilo nunca mais acabava.
Devo confessar que, por um lado, a cena era cómica (eu próprio ri-me imenso da minha nudez, porque concentrava de forma patética todas as idades da minha vida – eu bebé, eu criança, eu jovem, eu adulto – e isso fazia-me rir à bandeira despregada), mas no essencial era uma cena profundamente trágica e triste e nunca mais acabava.
Nisto, vinda do nada, apareceu a minha mãe, ou a minha tia Teresa, ou as duas ao mesmo tempo, ou fundidas uma na outra, não consigo precisar. Sei que apareceram vindas do nada e acalmaram-me, fizeram-me vestir a roupa que estava espalhada na estrada – ou se calhar foram elas que me vestiram, como faziam quando eu era menino – e levaram-me para casa, deitaram-me na cama, preparam-me uma infusão de macela – sete grãos a boiar na chávena – e eu adormeci em paz e acordei feliz e andava agora no quintal a pensar que bom, já não estou louco, que bom, sou um homem saudável, quando de repente percebi que, afinal, tudo estava errado, tremendamente errado, porque a minha mãe e a minha tia Teresa – as mulheres que mais amei – já morreram há muitos anos, de modo que não podiam estar ali comigo.
Ou seja, eu estava mesmo louco.