MADEIRA Meteorologia

Artigo de Opinião

Subdiretor JM

18/10/2025 08:05

Diz-se, com frequência, que “a Justiça é cega”. Expressão tantas vezes repetida para assegurar que o sistema judicial é imparcial, igual para todos e que não se deixa influenciar por emoções, pressões sociais, estatutos ou afinidades.

Mas quando olhamos para a forma como certos crimes são abordados, especialmente os de natureza pública, como a violência doméstica, surgem dúvidas legítimas sobre se essa cegueira é, ou não, seletiva.

Não quer isto dizer, porém, que o caminho da Justiça deva conter atalhos. Um crime só existe se for provado. Essa é a base do Estado de direito. É, por isso, necessário garantir que ninguém seja condenado sem evidência clara e inequívoca da sua culpa. Esse princípio é inegociável.

No entanto, seria legítimo esperar que o ónus da prova não recaísse quase exclusivamente sobre a vítima e os seus familiares. No contexto de crimes como a violência doméstica, essa noção de impunidade, resultante da ausência de provas recolhidas por quem já sofre na pele os sinais da violência, torna-se ainda mais aflitiva.

Apesar dos testemunhos, dos relatórios médicos, das queixas sucessivas - muitas vezes apresentadas ao longo de meses ou anos - os agressores permanecem, demasiadas vezes, impunes. A Justiça, fora do flagrante delito, parece cair numa espécie de letargia, justificada por uma suposta falta de meios ou de provas. E não devia, porque a Justiça devia ser uma prioridade, não podendo ser condicionada por desinvestimentos ou outros obstáculos.

Há exemplos recentes de crimes semelhantes tratados de forma diferente.

Um caso ocorrido em Machico revelou o aparente peso da exposição pública. Um homem foi filmado a agredir a companheira. O vídeo circulou nas redes sociais, causou indignação generalizada e, quase de imediato, o agressor foi detido e mantido em prisão preventiva por 52 dias. Só foi libertado sob fortes medidas de coação.

É inevitável a comparação com outros casos, alguns bem documentados e igualmente graves, onde, apesar da confissão do agressor e da repetição dos atos, a atuação foi mais branda. Ainda há poucos dias, um agressor arrependido e confesso teve direito a uma “última oportunidade” para deixar em paz quem nada fez para merecer a sua ira.

Isto levanta uma questão perturbadora: será que a Justiça só abre os olhos quando os crimes são mediatizados e a pressão social se torna insustentável?

Naturalmente que a resposta carece, como é óbvio, de provas que indiquem que assim seja. Mas só o facto de a atuação dar azo a dúvidas, por existirem decisões tão distintas para situações semelhantes, já é, por si só, preocupante.

O combate à violência doméstica exige celeridade, sensibilidade e responsabilidade. Mas também coerência. As vítimas não podem continuar a carregar sozinhas o peso da prova. E a Justiça não pode continuar a acordar apenas quando as câmaras estão a gravar.

OPINIÃO EM DESTAQUE

88.8 RJM Rádio Jornal da Madeira RÁDIO 88.8 RJM MADEIRA

Ligue-se às Redes RJM 88.8FM

Emissão Online

Em direto

Ouvir Agora
INQUÉRITO / SONDAGEM

Como avalia o desempenho das autoridades no combate ao tráfico de droga?

Enviar Resultados
RJM PODCASTS

Mais Lidas

Últimas