Durante dois dias tive uma borboleta pousada no quintal. Na manhã do terceiro dia, já não encontrei vestígios dela e fiquei sem saber se conseguiu ir embora ou se foi devorada por algum predador matinal.
Era quase noite quando a vi pela primeira vez. Estranhei a sua quietude, aproximei-me e notei que uma das suas asas estava ligeiramente dobrada, o que a impediria de voar. Sem a poder ajudar, afastei-me para não a perturbar. Na manhã do dia seguinte, continuava na mesma condição: sem sucesso, agitava as asas e esticava as patas para caminhar de folha em folha. Ocorreu-me que precisasse de algum néctar e dobrei uma das espigas floridas da planta para que ficasse ao seu alcance. Acho que foi boa ideia, porque ela logo se moveu para as inflorescências rosadas e começou a sugar. Pelo menos, assim me pareceu.
No final de uma tarde chuvosa, o sol brilhou. Fui procurá-la e ainda lá estava. Outras borboletas esvoaçavam nas proximidades, uma até a roçou, mas não se deteve. Questionei-me se a entreajuda entre borboletas será possível. Em algumas espécies é-o e entre seres humanos assim acontece, bem como entre humanos e outros animais. Infelizmente a compaixão humana está longe do que seria de esperar e continuamos a ver animais maltratados, completamente descurados como se fossem um bocado de lixo. Quer os que são criados para alimento, os que são usados como companhia ou, mais abominável de tudo, os que são sacrificados para diversão, em circos, circuitos turísticos, arenas tauromáquicas, etc.
Sempre gostei e quis respeitar os animais, embora reconheça que a minha consciência do seu sofrimento nem sempre foi tão clara como hoje. Quando era pequena, por exemplo, mal chegava o circo ao Funchal, anunciando leões e tigres no elenco, não largava o meu pai a pedir para ir vê-los. Ele condescendia e levava-me ao Campo Almirante Reis, onde a tenda do circo estava montada. Perto dela, dentro de um contentor jaula, lá estavam os felinos e eu, deslumbrava-me com cada um dos seus movimentos. Depois, tornaria a admirá-los durante o espetáculo, mas aqueles momentos ali próximos de mim eram especiais. Entretanto, logo descobri que os animais no circo eram sujeitos a violências várias, desde o afastamento do seu meio, a vida em cativeiro, as deslocações e os métodos usados para os domar. Nunca mais quis ir ao circo.
As mentalidades são difíceis de alterar e, não obstante notarmos alguma melhoria, a realidade é que através das redes sociais, todos os dias chegam imagens de animais de companhia em condições desesperadas. Apesar do empenho de professores, junto dos mais jovens, da persistência e entrega de algumas associações a esta causa ou do esforço de algumas câmaras municipais na promoção de campanhas de esterilização gratuita, uma mudança generalizada tarda em chegar. Gatos e cães continuam a proliferar, porque os seus donos não os esterilizam, por descuido, por ignorância, por atavismos tolos, por egoísmo, sei lá! A verdade é que se persiste em abandonar e matar ninhadas indesejadas.
Os canis municipais funcionam com condições precárias, estão repletos e as verbas disponíveis são sempre curtas. Os problemas humanos serão mais prementes, dir-me-ão. Pois, sim! Mas, porque nunca terão fim, é também importante que cuidemos dos animais que trouxemos para o nosso meio. Os outros, há que deixá-los livres, vivendo de acordo com a lei da natureza, tal como a linda borboleta monarca que pousou no meu quintal.