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Artigo de Opinião

GATEIRA PARA A DIÁSPORA

3/08/2021 08:00

Reflecte-se sobre como habitar a paisagem a partir de comunidades que querem, ou precisam de, viver juntas. Além disso, só uma paisagem viva retém dióxido de carbono e porque somos seres em interacção num ecossistema, só essa interacção permite o que conhecemos hoje por vida. Esquecermo-nos disto é acelerar a cadência do nosso estiolamento. No referido ensaio, fala-se da continuidade e cesuras entre água e terra, uma terra-líquida, e das levadas do nosso (des)contentamento, da importância de domar a água - e de perceber que isso não é possível mesmo que, a espaços, o consigamos fazer. Contudo, a vida-ilha não teria sido possível sem agricultura, e esta cultura não teria sido possível sem água, sem esses canais de irrigação abertos com força braçal, incluindo de braços escravos. Há uma narradora, a mãe de Filipe Ferraz, que como todos as mães é narradora mesmo quando não fala, sendo então a própria narrativa. Quando a minha mãe põe os lençóis da cama a secar, são barcos à vela que fazem com que os sonhos que nos transportaram à noite nos façam singrar durante o dia.

Quem verdadeiramente se aventura pela ilha poderá encontrar o que a Madeira tem de universal e lhe permite acolher o mundo, transformando-se em península, sendo o seu istmo uma fronteira líquida: o momento em que nos abrimos ao outro, que, por exemplo, poderá vir da Venezuela ou da África do Sul. Quando vemos os atletas olímpicos abraçarem o adversário que perdeu ou ganhou celebramos essa fronteira líquida. Senti também isso ao falar com o Sr. João que trata do roseiral do Arco de São Jorge, com a professora Helena Pestana que festejava o Dia da Mulher Africana, ou com o rapaz de um país báltico que anda agora pela Madeira a observar estrelas (e elas estão aí, nem é preciso olhar para o céu).

A escultura de Martim Velosa, Abraço, que homenageia os profissionais de saúde, foi inaugurada há poucos dias, no Dia da Assembleia Legislativa da Madeira. Quando dei por mim naquele abraço forrado a ouro por dentro - como só um abraço-abrigo consegue sê-lo -, pareceu-me que os braços se abriam e mesmo que não me tocassem via o mar, a céu aberto. Foi também esta expressão, «A céu aberto», que pensei sugerir a Filipe Vieira de Freitas quando, durante a actuação do seu quinteto de jazz no magnífico Cais do Carvão, nos disse que, para aquela composição, ainda não tinha conseguido pensar num título à altura. Eu não poderia pensar num melhor título depois de uma série de confinamentos difíceis em França e da possibilidade de finalmente voltar a casa. No âmbito do mesmo Funchal Summer Jazz, ao lado da Capela de Santa Catarina - o primeiro templo religioso erguido na Madeira -, ouvi a Sofia Almeida acompanhada pelo seu quarteto cantar, naquela voz de mulher que habitava a música que é, «Para quem quer ser feliz / Invente o cais». A Madeira tem alguns. Um deles chama-se António Aragão.

No álbum Machitz - O Machete do Moritz, a faixa Água levada reflete muito do que aqui vai dito: água leva e água traz. Embarcamos nesta vida desembarcando do líquido amniótico e da mãe que nos vai criando. Agora, cabe-nos nadar (andar é apenas uma variante), por vezes com pé e por vezes sem ele.

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