A crise habitacional na Região não é fruto de pulsões morais, mas de uma estrutura económica distorcida. Tal como um político austríaco advertia sobre os excessos igualitaristas, também aqui se confunde justiça com ressentimento. Procuram-se culpados onde só existem consequências lógicas de políticas mal desenhadas e de um território limitado, onde as leis da economia atuam com brutal nitidez.
O ponto de partida é simples: a política monetária europeia gerou uma expansão massiva da liquidez e taxas de juro artificialmente baixas durante quase uma década. Quando o dinheiro se multiplica mais rapidamente do que as casas, “o resultado inevitável é o aumento dos preços”. A Madeira, com o seu espaço físico comprimido entre montanha e mar, sofreu este processo de forma mais intensa do que o continente. Atribuir esta evolução a estrangeiros é um erro básico. O livro “Trancas à Porta” demonstra que as compras de não residentes representam apenas cerca de 6% das transações nacionais, “menos de metade do valor em Espanha”. Na Madeira, mesmo admitindo um peso um pouco superior, o fenómeno não tem magnitude para determinar a evolução dos preços. A demonização da procura externa é, além de economicamente imprecisa, sintoma de uma tentação populista típica das sociedades niveladoras: culpar o diferente para evitar encarar as causas reais.
A mesma ilusão se repete com o Alojamento Local (AL). A estatística é clara: o AL representa apenas 1,7% do parque habitacional nacional e é “praticamente irrelevante” fora de áreas específicas. O discurso que promete resolver a crise proibindo o AL é tecnicamente frágil, demagógico e enganoso. O AL que existe hoje não se converterá automaticamente em habitação permanente; destruir-se-ia, isso sim, a sua capacidade de gerar riqueza.
O núcleo do problema está na oferta. Portugal construiu apenas 111 mil casas entre 2011 e 2021, “menos 700 mil do que a média das décadas anteriores”. Na Madeira, onde não existe hinterland capaz de absorver deslocações internas, a estagnação construtiva produz uma escassez estrutural. Os concelhos do arco urbano (Funchal, Câmara de Lobos, Santa Cruz, Ribeira Brava) concentram população e emprego sem expansão proporcional de oferta.
A política pública nacional tem insistido numa estratégia punitiva, controlo de rendas, incerteza jurídica, restrições administrativas, cuja consequência inevitável é afastar investimento e reduzir a oferta. Em linguagem técnica: aumentou-se o risco e diminuiu-se o retorno esperado, conduzindo a uma retração racional da colocação de imóveis no mercado por parte de quem os detém. É o erro típico das sociedades que recusam reconhecer que liberdade económica e ordem social são indissociáveis.
A Madeira precisa de rigor, não de utopia. Licenciamento célere, planeamento urbano com densidades realistas, construção em altura e não em extensão subindo pelas serras dentro, mobilidade urbana que permita novas centralidades, eliminação de barreiras artificiais à construção e reabilitação, previsibilidade regulatória, incentivos fiscais bem calibrados, advindos de Autonomia Político-Administrativa, que permita um regime fiscal e de arrendamento que incentive os senhorios a arrendarem à classe média em alternativa ao AL. A Madeira precisa também de um modelo inteligente de habitação social disponível a qualquer Madeirense e Portossantense, independentemente do nível de rendimento, e não como uma política de compra de votos ao eleitorado subsídio-dependente, vide os exemplos de Singapura ou da Áustria. Não se trata de “entregar o mercado aos mercados”, mas de reconhecer que nenhuma intervenção pública substitui uma casa que não foi construída.
A crise habitacional da Região não é moral, identitária ou cultural: é geométrica, financeira e administrativa. E só se resolverá quando a política abandonar os mitos e regressar a um princípio elementar, tecnicamente demonstrado: não há preços acessíveis sem oferta suficiente.