A partir dessa genialidade, Kubrick, produziu aquele que seria um dos filmes mais punks de sempre: "Laranja Mecânica" de 1971.
O filme tem variadíssimas interpretações, de entre elas a ideia de que o Direito Penal tem como fim a ressocialização do indivíduo, através da inocuização do mesmo. Veja-se que a idealização de Kubrick, no filme, era relativamente clara: num futuro próximo, a violência, a intolerância e a insatisfação, dominariam o pensamento das sociedades contemporâneas - e, com isso, uma distopia eclodiria. Uma distopia assente no controlo por parte dos Governos eleitos dos cidadãos e, consequentemente, das suas pulsões criminosas. Kubrick patenteou-o. E, desta feita, anteviu a criação de uma espécie de modelo panóptico na civilização ocidental.
Posto isto, não nos interessa discutir a natureza da condição humana, tão-pouco as interpretações hobbesianas ou rousseaunianas da mesma. A pergunta, no entanto, deverá ser esta: as sociedades atuais estarão abúlicas? Ou, em contrapartida, haverá um desejo íntimo de promover uma certa "destruição criadora"?
É que, Kubrick, no dealbar da década de 70 fez essa análise social, criticando com uma visão prospetiva uma certa ideia de modernidade. Repare-se que Alex de Large, a personagem principal do filme, representa de um certo prisma a "Morte de Deus" de que falava Nietzsche; o colapso da moral europeia, construída sobre a fé cristã; a final, o niilismo que ensopa as sociedades hodiernas.
Tanto mais que, se por um lado as sociedades modernas cultivam o medo e criticam a bravura, sabendo nós que o primeiro procede da emoção e a segunda da razão; por outro, essa mesma sociedade está deslassada, inerte, atomizada - verdadeiramente incapaz de atribuir um novo significado aos velhos significantes, como sejam: o amor, a luta, a tragédia, a solidão e o sofrimento.
Centremo-nos, por ora, neste último. Qual é o sentido do sofrimento? Não tem, de facto. A não ser que lhe acrescentemos um sentido psicanalítico - o sofrimento, para alguma literatura, é a consciencialização da nossa própria finitude. Do mesmo modo, o sofrimento é, por fim, muitas vezes comparado a uma etapa para alcançar a verdadeira felicidade. Sem prejuízo disso, resta-nos perguntar: Qual será a alternativa, então?
A solução reside, a nosso ver, na criação de novos esquemas de felicidade. Combater a solidão nas cidades e na população mais idosa seria um instrumento de trabalho essencial para nos vincularmos a um novo projeto de felicidade coletiva. O progresso de uma sociedade democrática também se mede pela forma como trata os seus mais velhos; para além disso, como é sabido, o niilismo de Alex de Large matou-o.
Num tempo marcado pela atonalidade, só nos resta relembrar o cineasta que interveio, brilhantemente, na ocupação do tempo e do espaço. Que criou um centro. Um novo equilíbrio. Uma novilíngua cinematográfica.
Em A Clockwork Orange cada personagem é uma desconstrução. Uma verdadeira narrativa a cores que se contradiz sequencialmente. É assim que Kubrick entende o ser humano. Umas vezes encontramo-lo ardente e vigoroso, outras fraco, melidrandado, sem ânimo.
Stanley Kubrick era e será sempre um "jongleur" de câmara na mão.