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Artigo de Opinião

Psiquiatra

8/06/2022 08:00

Fortes figuras sociais serviam para ditar e organizar o comportamento do grupo. Aqueles que queriam viver dentro da sociedade organizada respeitavam as suas leis e os que procuravam caminhos alternativos, marginais. As sociedades organizam-se de formas complexas, mas com o mesmo princípio dos restantes organismos, crescer e sobreviver. Assim, dos tempos longínquos das cavernas até à atualidade, surgiram diferentes formas de formatar o comportamento humano, sempre com o objetivo de cumprir o mesmo propósito - crescer em grupo e lutar pela sobrevivência do grupo. Formaram-se diferentes organizações, diferentes religiões, e na atualidade lidamos com muito dessa história.

Os mais jovens gostam frequentemente de criticar o estudo da História e de como o que aconteceu antes de nascerem tem pouca importância na sua vida. Infelizmente não podiam estar mais errados. Todos os princípios que determinam a essência do comportamento humano são antigos e a forma como todos fomos educados, formatados, depende dessa História. Conhecermos o passado, é na verdade conhecermo-nos a nós próprios, conhecermos a nossa programação, que é a chave da nossa libertação.

As sociedades evoluem, muitas vezes dependendo das descobertas tecnológicas. Na atualidade, o avanço tecnológico surge na forma de aparelhos digitais, ligados entre si, com informação de todo o planeta, rápido, acessível e invadindo a nossa privacidade. É óbvio que enquanto humanidade não estávamos preparados para tamanho salto. A maior parte das pessoas nem conversas honestas com os seus familiares consegue ter, quanto mais exporem-se para todo o mundo.

Esquecemo-nos muitas vezes de como este salto começou e de quem se alimenta dele. Não é pelo "bem" de todos nós que podemos hoje falar por videochamada. É por dinheiro. É isso que move estes avanços. Assim, para uns enriquecerem, outros perderão sempre alguma coisa. Neste momento perdemos a nossa privacidade. O que vamos perder a seguir?

Para mim, o que está mais em risco é a "alma" das gerações mais novas. A essência, a ética, o altruísmo, ... a responsabilidade. Um crescente número de pessoas vive mais preocupada consigo e com a sua imagem, do que com o grupo. Quantos abdicam sinceramente do seu tempo, da sua vida, da sua progressão profissional para defenderem os outros, para defenderem o mundo? No limite, quantos estão dispostos a pagar todos os impostos, cumprir todas as horas, trabalhar todos os momentos com zelo, desligar os telemóveis no trabalho, cumprir todas as regras pelo bem dos outros? Quanto é que abdicamos do nosso prazer, pelo bem dos outros?

Assim, todos sabemos que o ambiente está em sofrimento, mas a responsabilidade é do outro. Todos sabemos que há pessoas a passar fome, mas a responsabilidade é do outro. Todos sabemos que há guerras, criminosos e ladrões, mas a responsabilidade é do outro. Pela necessidade de se cumprirem metas, há uma contínua erosão da exigência e do rigor. Mais do que encontrarmos soluções, temos é de ficar bem na fotografia.

Que responsabilidade temos nós? Uma boa fatia da população nem vota. Longas lutas pelos direitos de todos ao longo de milénios e o que fazemos? Não queremos saber. Reciclagem? Não queremos saber. Respeito? Que me respeitem a mim. Direitos? Os meus. E as redes sociais? Para ganharem dinheiro, fomentam o separativismo, fomentam o pior que existe, não pelo mal, mas pela adição. Mostram-nos o que queremos ver, não o que precisamos de saber. E temos uma sociedade de aditos a si próprios. Bebemos o que é igual, bebemos o espelho e esquecemo-nos que é pela diferença que crescemos.

É com o outro que crescemos. E não podemos ter uma boa relação com o outro, sem nos responsabilizarmos primeiro. A Filosofia e a História são a única forma de não cairmos tantas vezes, nos buracos que sempre existiram, na estrada da humanidade.

OPINIÃO EM DESTAQUE
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