MADEIRA Meteorologia

Artigo de Opinião

Professora Universitária

10/11/2025 07:35

Não vos admirais com a roupa de Manuel de Noronha, com a forma como outro dos poetas da Madeira aparelhou o cavalo, não os confundis com o reino, não o tenhais por maravilha, porque vêm da Ilha. Este mundo insular às avessas, que necessita de ser normalizado por Lisboa (sim, porque os habitantes da Madeira devem, antes de ir fazer tristes figuras diretamente à corte de Castela, passar pela capital para se modernizarem, adequarem às modas ibéricas da época, padronizarem), adivinha-se muito claro no Cancioneiro Geral, de Garcia de Resende, de 1515.

Cerca um século depois do descobrimento do caminho marítimo pelos portugueses, a diferença entre o reino, a metrópole, e o mundo insular é claro. Uma diferença que se desenvolverá em imagens-espelho de superioridade-inferioridade, e vice-versa, e em representações culturais nelas baseadas. Marcada por um sistema hierárquico centralizador e dependente, política e socialmente, a Madeira herda uma organização controladora a nível cultural e simbólico de que fará muita fadiga a libertar-se. Se, realmente, se libertou.

De facto, o modelo imperial, que implicava a homogeneização cultural e religiosa, reproduziu-se numa estratificação social — com elites políticas e de famílias com poder social e económico — que se manteve intacta durante séculos. Exatamente o mesmo modelo replicado que permitiu a permanência de sistemas como o da colónia e que desconfia das mudanças.

Este sistema teve como resultado uma marginalização das reinterpretações da cultura local a favor do padronizado e de uma relação em termos de arte, da cultura e da literatura que se espelha nos sentimentos de superioridade-inferioridade e na procura de validação nacional, apesar da afirmação paradoxal de uma identidade insular autónoma, independente e capaz de se bastar a si própria. Só neste contexto se compreende a desconfiança de aceitar, sem receios, a definição de literatura madeirense, ao contrário dos Açores que levantam alto a bandeira da literatura açoriana.

O mesmo se pode dizer dos apagamentos da história - a relação com o período histórico da escravatura, o período da afirmação protestante e as suas tentativas de dinamização da sociedade através da educação, as influências do norte de África e até o orientalismo — e da valorização da folclorização e da fixação em elementos pitorescos de exploração turística.

No fundo, o ciclo imperial mantém-se transmutado numa elite que continua a preferir o fora ao dentro, na procura da validação de si como os que têm sucesso fora, e que considera o território insular como dependente de si. Isto tem consequências de padronização e nivelamento cultural, com o estabelecimento de uma cultura global dominante, baseada no nós contra os outros, nós como os outros, superioridade-inferioridade, que marcam toda a conjuntura social e remetem a Ilha para a sua condição excecional de maravilha. O que faz do território e das suas gentes algo a ser observado, não ouvido. Cenário de sonho para fora e apagamento das realidades sociais e históricas para dentro.

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