Todos nós já ouvimos falar de ideologias partidárias, da esquerda, da direita, dos conservadores e dos mais liberais. Ainda que, por vezes, os novos partidos tentem distanciar-se desses rótulos, procurando afirmar-se como “diferentes” ou “fora do sistema”, a verdade é que essa ambiguidade geralmente serve apenas para evitar compromissos claros. A recusa em assumir um posicionamento político concreto é, na prática, uma tentativa de fugir com o rabo à seringa. A menos que queiram passar por pouco confiáveis, mudando de posição conforme sopra o vento, todos os partidos têm o seu lugar definido no espectro ideológico.
De forma semelhante, adotar uma estratégia dúbia, como o PSD frequentemente faz na Madeira, praticando políticas que se assemelham às da esquerda enquanto expressa publicamente o seu repúdio à própria esquerda, é um claro exemplo de querer sol na eira e chuva no nabal. Convém recordar que, em Portugal, quem representa a social-democracia é o PS, não o PSD.
A distinção entre esquerda e direita surgiu como uma forma simplificada de posicionar ideologias políticas que, de outra forma, seriam complexas de explicar. Este enquadramento serve, para situar os partidos em função das suas posições sobre a economia, a estrutura do Estado e a organização da sociedade.
Este artigo nasce da crescente confusão que tenho observado no debate público em torno destas questões. Por vezes, parece que se trata de discussões entre adeptos de clubes de futebol, mas também resulta da constatação de um fenómeno preocupante: o contorcionismo político, aqueles que defendem hoje o exato oposto do que defenderam no passado, apenas pela conveniência do momento.
Para clarificar, de forma simplificada: a esquerda defende políticas orientadas para a redução das desigualdades sociais. Por isso, é comum que os partidos de esquerda prestem mais atenção às necessidades das famílias economicamente vulneráveis. Defendem uma maior intervenção do Estado na economia e, por consequência, promovem a existência e o fortalecimento de serviços públicos como a saúde, a educação, os transportes e a habitação. Têm uma postura mais protetora em relação à classe trabalhadora, procurando garantir os seus direitos e melhorar as suas condições de vida. Naturalmente, quanto mais à esquerda se posiciona um partido, mais firmes e rígidos são estes princípios, e menor é a flexibilidade para compromissos com visões contrárias.
Por outro lado, a direita privilegia políticas que valorizam a liberdade económica e a autonomia individual. Defende um papel mais reduzido do Estado, promovendo o crescimento do sector privado e a diminuição da carga fiscal.
Como consequência, tende a favorecer a privatização de serviços essenciais, como a saúde, a educação e a habitação, com o argumento de que o indivíduo deve ter liberdade de escolha.
Contudo, essa visão ignora frequentemente as limitações de quem, por razões sociais ou económicas, não consegue exercer essa liberdade.
Um Estado mínimo significa, inevitavelmente, menor capacidade de intervenção para corrigir desigualdades e responder a crises sociais. Para a direita, o mercado autorregula-se, e a intervenção estatal na economia é vista como desnecessária ou mesmo prejudicial.
Tal como na esquerda, quanto mais se caminha para os extremos da direita, mais radicais e inflexíveis se tornam estas ideias.
Foi precisamente da tentativa de conciliar estes dois polos que emergiram os posicionamentos políticos de centro-esquerda e centro-direita, onde se situam, respetivamente, o PS e o PSD. Ambos procuram conjugar princípios económicos com alguma moderação ideológica, o que explica, em grande parte, a razão pela qual têm agregado a maioria do eleitorado português nas últimas décadas.
No entanto, a política não se resume apenas a economia. Os partidos também adotam posições quanto a valores sociais e comportamentos culturais, e é precisamente neste campo que se têm registado as mudanças mais significativas no eleitorado português. Podemos classificar os partidos como mais liberais ou mais conservadores. E é aqui que observo, com preocupação, uma inversão de tendência. A sociedade portuguesa está a tornar-se, nos últimos anos, cada vez mais conservadora, no mau sentido, é isso que dizem os resultados eleitorais e é isso, que mesmo “sem querer”, está a acontecer em Portugal.