Quando o espírito se inclina naturalmente a uma ação, quer esta decorra ou não, é considerado vontade. Essa força invisível que nos impele a algo, e que sentimos vir do nosso mais profundo ser. Esse ser que nem sempre conhecemos, e por ora não compreendemos bem, mas que é a nossa essência.
É relevante aqui, diferenciar nesta observação, a vontade enquanto essa tendência natural de espírito (exemplo: praticar o bem), do desejo enquanto imposição por um elemento terceiro, extrínseco (ter um supercarro, enquanto observação de riqueza aos olhos da sociedade) e o desejo do reconhecimento como nos diz Hegel, e deixemos por agora as necessidades físicas, pois podem facilmente (para quem lê) deter uma certa ambivalência no contexto, vontade versus desejo.
A vontade, sendo decorrente do espírito, assenta sempre no bem e comunhão com os semelhantes, logo daqui decorre que nas primícias, todo o caminho que começa a ser trilhado tem um objetivo superior. É necessário acreditar aqui, que um ser nasce desprovido de maldade, sendo o contacto/embate com o mundo que o rodeia que o conspurca, apresenta e entroniza no mal.
A análise de contexto é algo que tem de ser tida em consideração para tudo na vida.
Hemingway em “O adeus às armas”, enredo quase autobiográfico, diz-nos a certo momento “e expliquei-lhe, com a boca pastosa, como é que não fazemos aquilo que desejamos e que são precisamente essas coisas que nunca fazemos”
Constatamos então que um dos problemas crónicos que impedem o Bem de prevalecer não é tanto a falta de vontade para com atitudes de bem, mas sim a falta de ação, pensamos e planeamos sonhos elevados e nunca os concretizamos, pior deixamo-nos arrastar pela imobilidade, e a inercia como que assume o controlo e propaga-se num contágio, a ações menores, mas que são basais e estruturantes para uma vida em virtude.
Observemos alguns exemplos simples, aquele telefonema para o familiar distante que está sempre para acontecer, mas nunca acontece, aquele abraço a um familiar, a um amigo, aquela frase de saudade que acaba sempre na gaveta por vergonha ou inércia, aquele manifesto de ajuda que fica sempre por meias intenções (muitas vezes não verbais), aquele encontro com um amigo, aquele almoço ou jantar que nunca acontece, aquela dádiva que fica enquanto intento... Na nossa vida nada é mais fácil encontrar do que vontades não concretizadas, em que o único obstáculo foi a nossa inação.
Vejamos que quando concretizadas, que quando transcendem o plano das intenções e se concretizam em ações, a vontade tem o condão de transformar o Mundo para melhor (observando sempre a vontade enquanto tendência natural do espírito para praticar o bem, ou seja virtude, o mal é um produto externo ao ser, resultante de um confronto social e mundano). A vontade tem um poder infinito, é fundamental conhecer a sua força e impacto da sua concretização, para se libertar das amarras da inércia. Reside também na vontade, enquanto ação praticada, um exercício de autoconhecimento e como tal presença ativa na sua vida. Camus diz-nos em “O Estrangeiro” que se alguma coisa nos vai acontecer, nós queremos estar presentes, isto porque a vida para ser plena é necessário estar presente na nossa vida, e uma vida feita de vontades não concretizadas, é uma vida incompleta.