Há momentos na história em que uma comunidade inteira parece resignar-se à sua própria servidão. Não por força de invasão estrangeira, nem por fatalidade natural, mas por algo infinitamente mais triste e repugnante: o conformismo moral de quem governa sem imaginação, sem coragem e sem fé no futuro.
A Madeira atravessa precisamente esse momento. Durante décadas, os nossos políticos, com raríssimas exceções, confundiram Autonomia com dependência subsidiada. Celebram-se transferências orçamentais como se fossem conquistas de soberania; repete-se o mito da “solidariedade nacional” como se não fosse uma esmola travestida de princípio. O resultado está à vista: uma economia empobrecida, uma juventude emigrada, uma sociedade envelhecida e uma classe político-económica satisfeita com o status quo.
A Região converteu-se num enclave turístico, uma espécie de plantação pós-moderna onde a terra e o trabalho servem a economia dos outros. O turista chega, consome, parte e os lucros evaporam-se para os mesmos do costume. O madeirense, por sua vez, fica: empregado precário, salário mínimo, habitação inacessível, e uma esperança que definha a cada cruzeiro que aporta ao cais ou avião que aterra.
Os mesmos governantes que juram “diversificar a economia” são os primeiros a defender diariamente a importância do turismo, a permitir que a Região se transforme num cenário decorativo para a fotografia alheia. Exportamos a nossa paisagem, importamos o servilismo.
A mediocridade tornou-se o único consenso da política madeirense. Não há doutrina, não há ideal, apenas a gestão do dia-a-dia e do “diz que disse”. A Autonomia, que deveria ser instrumento de emancipação moral e económica, é tratada como expediente contabilístico. Governa-se de subsídio em subsídio, de contrato-programa em contrato-programa, de plano “estratégico” em plano “estratégico”, como se a função do Governo Regional fosse a de perpetuar a dependência e domesticar o inconformismo.
A juventude qualificada e altamente qualificada emigra; os velhos ignoram o futuro, regozijados com as suas reformas, com o pão e o circo (leia-se, poncha e arraiais); e os políticos discursam. Ninguém parece capaz de formular um projeto de grandeza, de sustentabilidade e a longo prazo. E no entanto, as pequenas jurisdições insulares, quando governadas por espíritos grandes, foram sempre laboratórios de civilização.
Enquanto a Região se exaure, as políticas públicas limitam-se a administrar o empobrecimento. A classe política regional entrega-se, de forma quase ritual, à idolatria do “crescimento do turismo”, ignorando que crescimento sem Autonomia plena é vassalagem. Não há diversificação de serviços internacionalmente exportáveis (geradores de salários elevados), não há investigação, não há soberania fiscal. As finanças regionais vivem de um cordão umbilical que a qualquer momento pode ser cortado por Lisboa ou por Bruxelas.
Os que não conseguem emigrar, resignam-se a servir: a servir mesas, a servir turistas, a servir patrões estrangeiros ou patrões madeirenses que vivem do turismo. O madeirense transforma-se, assim, em escravo da nova plantação atlântica, um território onde o trabalho é barato, a cultura é folclórica e a dignidade é opcional.
A única saída está em reerguer o espírito da Autonomia, não a autonomia mendicante das subvenções, mas a autonomia jurisdicional e fiscal plena, arrancada, se necessário à força, a Lisboa e que restitua ao povo madeirense o poder de decidir o seu destino. Uma Madeira que não dependa de transferências, mas de talento; que não viva de esmolas, mas de mérito; que não exporte os seus cérebros, mas as suas ideias.
Para isso, é necessário um sistema fiscal próprio, um modelo económico misto (centro financeiro internacional pujante e turismo de qualidade), e sobretudo uma elite política que compreenda que governar não é administrar a decadência, mas preparar a ressurreição. Afinal, a verdadeira nobreza política consiste em governar para os que ainda não nasceram. Ora, os nossos políticos, cegos pela próxima sondagem e pelo próximo ciclo de fundos, governam ou fazem campanha apenas para os vivos, e mesmo para esses fá-lo mal. Não edificam instituições, não defendem princípios, não cultivam virtude, nem lutam por uma verdadeira Autonomia. Perderam o sentido da responsabilidade histórica que distingue o estadista do mero gerente.
A Madeira não é uma colónia. Mas está a comportar-se como tal. E enquanto os políticos trocarem a liberdade pela comodidade das transferências, e o povo aceitar a servidão dourada do turismo, a nossa Autonomia será apenas um simulacro, um estandarte vazio, hasteado sobre a plantação dos novos senhores. A geração vindoura, se restar alguma, julgar-nos-á por isso.