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Artigo de Opinião

silviamariamata@gmail.com

27/08/2023 04:20

Na volta do correio, ele mandou-lhe mais uma vez dizer que também estava a ficar velho e que o mais certo era voltar para a sua terra passar o resto dos seus dias e, dentro do envelope - alegria das alegrias - vinham não sei quantas bolívares, para uma ajudinha para pagar o rol da venda. Ela foi logo ao banco destrocar aquilo e veio para casa com dezasseis contos de reis dentro da carteira feliz e contente. Talvez não acreditasse que ele voltasse, mas pelo sim, pelo não, tinha começado a galgar mais um quarto de casa, não fosse ele vir e ela não ter lugar vago para ele receber amigos e passar tardes de risos e folia. Assim, dentro de casa, os quartos estariam sempre arrumados e aquele seria um quarto só dele.

À roda da mesa na nossa casa, à hora do jantar, ela alegre e a gente a lhe dizer que não percebe como é que ela aceita aquilo, se ele nunca mais voltou, há séculos que anda embarcado, jovem que era naquele tempo e agora velho. Ela diz "Cala a boca que ele não é dos piores, sempre me manda um dinheirinho para o meu governo; se não fosse ele, eu não tinha a minha casa!"

De modo que a tia Elvira manda recados por conhecidos a pedir ao Pedro do Pêssego, ao António do Piroa e àquele meio entramelado do lado da Ladeira e claro, a Alberto dos cabibes, para virem acartar material que ia cair tal dia assim-assim, no chão da venda do senhor Roberto. La vêm eles. Não tenho palavras para os descrever. O Pedro chega de shorts, todo moreno, corpo de atleta, de ar esgazeado, por causa do olho vesgo, lábia de quem sabe mais do que diz. É o manda-chuva de todos, talvez por ser o mais apessoado e o mais forte, naquele baixo corpanzil que parece um tronco roliço de árvore. Alberto é aquela máquina de trabalho, incansável, sempre a correr. Não sei como aguenta. O Piroa tem sulcos fundos no rosto quadrado e é o mais alto de todos. O entramelado do lado da Ladeira, não sei como se aguenta, mas lá vai…

A tia Elvira prepara-se com cerveja coral para ir dando de vez em quando e vinho para o almoço: grão de bico com bacalhau, ovos cozidos, semilhas, batatas e pimpinelas, azeite, salsa, cebola, tudo misturado, e salada, claro está! Isto sem falar no lanche, pão com manteiga, queijo e salame! Felizmente, há ameixas por aí, que servem perfeitamente como sobremesa ou para simplesmente adoçar a boca.

E a tia Elvira está tão feliz que extravasa a sua tão grande felicidade àqueles seres que comem na mesa armada no terreiro à sombra da vinha e conta que o marido lhe mandara dezasseis contos de reis. Pedro olha vesgo para os outros e guloso, põe-se a dar ordens: "Avia-te, vamos acartar o restinho que falta!"

Lá foram. No fim do dia, a tia Elvira pergunta quanto lhes deve pelo trabalho. O Pedro do Pêssego faz as contas e diz:

- Senhora Elvira, trabalhámos bem com este sol ainda por cima - respira fundo e conclui - são quatro contos a cada um.

A tia Elvira ficou de boca aberta, alcançada com aquela esperteza toda! Nunca se viu nada assim! Mas enfim…

- Isso é para eles irem espatifar na Festa do Monte - disse meu pai, porque era quase dia do Monte.

E assim lá se foram os dezasseis contos de reis que o embarcado do marido da tia Elvira lhe mandou. Tudo, porque a tia Elvira contou a verdade e o Pedro do Pêssego soube fazer contas de dividir. O Pedro, anos mais tarde, com uma grande bebedeira adormeceu sentado no muro da Ladeira e caiu para trás, para o lado da estrada e ali ficou…

Sílvia Mata escreve ao domingo, de 4 em 4 semanas

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