MADEIRA Meteorologia

Artigo de Opinião

DO FIM AO INFINITO

25/03/2022 08:00

É o conselho que a Pat me dá, quando me ponho a cramar, a dizer que já não tenho mais nada para escrever, que estou farto de tanta crónica, de tanto texto, de tanta palavra - ninguém lê esta porcaria, isto não serve para nada - já contei tudo o que tinha para contar, a minha vida, o meu pensamento, o meu sentir, todas as minhas emoções escarrapachadas em letra de imprensa e o diário da minha guerra civil também - eu contra eu a destruir tudo em mim - de modo que agora estou vazio, em silêncio, vergado perante o esplendor da humanidade, derreado face ao seu horror, estou como um tonto a falar em público ou como um burro a olhar para um palácio ou como um jovenzinho virgem a espreitar pelo buraco da fechadura uma mulher linda que se despe e nunca será sua.

- Diz que me amas!

E eu prossigo com a lamúria:

Estou consciente de que não acendi nenhuma luz com estas historietas de semana a semana, esta literatura de cordel e meia tigela, estas reflexões sem pés nem cabeça, esta volta sempre pelo caminho mais longo e difícil, pela orla espinhosa na beira do abismo, só para evitar a multidão, para contornar o que ela diz e pensa e sente, para escapar da multidão que vai ao sabor do vento, ri e chora conforme as regras da ocasião, confunde o chão que vê com o céu que pisa, baralha o fogo do banho com a água da fogueira, mistura tudo com nada e nada com tudo, analisa com grande precisão e mesquinhez os sinais após os acontecimentos, uma grande salganhada, e depois ainda fala em voz alta - aos gritos - para se ouvir a si mesma e ao seu eco sem vergonha, puta que pariu, raios me partam, é hoje que ponho o ponto final.

- Diz que me amas!

Eu fico ainda mais furioso:

Ninguém é obrigado a ler esta porra, é obvio que o leitor está-se a marimbar para as minhas baboseiras, pouco lhe importa aquilo que digo, não se interessa com o arreio nem com o devaneio, além do mais não ganho um tostão com isto - cada palavra vale zero euros, é pura poesia - e de certa forma ainda bem, porque o dinheiro, tal como a fama, tem o mau hábito de tornar as pessoas asquerosas, acontece amiúde, há tanta gente que era boa e ficou virada do avesso por causa do dinheiro, esse diabo cuja alma merdosa habita em todo o lado, até nos recantos mais insuspeitos, sempre luminosa e palpitante, mesmo quando já não presta para nada e só nos faz pensar o pior de nós e dos outros, como loucos, como suicidas, como assassinos.

- Diz que me amas!

Eu expludo:

Vou é maldizer tudo e mais alguma coisa, ainda por cima em mau português, tudo mal escrito, às três pancadas, com a gramática amarfanhada e a pontuação espezinhada, exatamente como faz o analfabeto armado em chico-esperto-escritor, quero lá saber, além do mais toda a gente tem dias assim, dias em que chove sem fim, dias de medo e pavor e terror, e a seguir ocorrem desastres, derrocadas, enxurradas, aluviões, acidentes, mortes, uma guerra nuclear - sim, morremos todos duma só vez, graças a Deus - são dias de cara feia e roupa suja, dias de palavrão na boca, de promessa oca, honra perdida, dias sem eira nem beira nem era nem primavera, dias incompreensíveis, inexplicáveis, indecifráveis, dias de lutar contra a tirania do hoje e impor a luz do amanhã.

- Diz que me amas!

E eu, por fim, digo que sim.

É a minha salvação.

Está porreiro, este texto, não está?

OPINIÃO EM DESTAQUE
Coordenadora do Centro de Estudos de Bioética – Pólo Madeira
18/12/2025 08:00

Há uma dor estranha, quase impossível de explicar, que nasce quando alguém que amamos continua aqui... mas, aos poucos, deixa de estar. Não há funerais,...

Ver todos os artigos

88.8 RJM Rádio Jornal da Madeira RÁDIO 88.8 RJM MADEIRA

Ligue-se às Redes RJM 88.8FM

Emissão Online

Em direto

Ouvir Agora
INQUÉRITO / SONDAGEM

Qual o valor que gastou ou tenciona gastar em prendas este Natal?

Enviar Resultados
RJM PODCASTS

Mais Lidas

Últimas