MADEIRA Meteorologia

Artigo de Opinião

CONTOS INSULARADOS

11/07/2021 07:00

Era um toque triste que deixava a população em alerta, mesmo que estivessem no meio da terra em plena "água de giro", que era o tempo marcado para a rega com a água que vinha pela levada e se tapava aqui e além - com trapos velhos ou umas chapas feitas para o efeito, conforme o rego, até chegar ao seu destino, que obrigava a um labirinto. Era quase uma metáfora da vida a "água de giro", que girava pelos agricultores e amiúde, entre a vizinhança mais difícil, dava briga pela certa.

Quem será que morreu?, intrigava-se o povo, quando a morte apanhava as gentes desprevenidas. Mas às vezes era mais do que certo e deitavam-se às adivinhas. "Foi o Ti José, nosso Senhor lhe tenha a alma em descanso, que muito sofreu", acertavam, só pelo toque triste do sino da aldeia.

Nas grandes urbes não há "sinal morto" e as pessoas não sabem que som dar à tristeza. Fica o vazio e o infortúnio de não se anunciar ao mundo que partiu alguém que fará muita falta a quem fica. O sino dava calafrios, sobretudo quando não se esperava, mas democratizava a morte, que tocava, como o sino, a todos, mas na aldeia tocava a todos da mesma maneira, triste e chorosa, sem distinguir rico ou pobre na hora do derradeiro anúncio da partida.

Temia-se o sino quando tocava assim triste, melancólico e choroso, fora de tempo e sem ser para dar as horas certas ou as meias horas. As mulheres arrepiavam-se, os homens olhavam para o céu e benziam-se e a canalha calava-se por uns instantes, para depois prosseguir com as tropelias e com a vida.

Não gostava do sino assim desgarrado e portador de más notícias. Era preferível escutá-lo, a rebate, nas festas de verão. Mas pior que o sinal pesado, choroso e a carpir é não se saber a que soa a tristeza e não ter banda sonora para a ausência e finitude.

É o silêncio que se instala para sempre, um telefonema que nunca mais se toca e uma voz que se cala para sempre. E tudo isto sem a dignidade de se anunciar aos outros que quem partiu fará muita falta a quem fica. E ninguém a olhar para o céu e a benzer-se em respeito. E isso é mais triste que o som do "sinal morto" a interromper a "água de giro".

OPINIÃO EM DESTAQUE

88.8 RJM Rádio Jornal da Madeira RÁDIO 88.8 RJM MADEIRA

Ligue-se às Redes RJM 88.8FM

Emissão Online

Em direto

Ouvir Agora
INQUÉRITO / SONDAGEM

Qual o seu grau de satisfação com a liberdade que o 25 de Abril trouxe para os madeirenses?

Enviar Resultados
RJM PODCASTS

Mais Lidas

Últimas