MADEIRA Meteorologia

Artigo de Opinião

Professor

3/07/2023 04:09

Dormitam estirados nas pranchas de madeira que cobrem o calhau. Um ou outro aninhado na fofa areia amarela da nova praia. Todos fruindo da amena temperatura do mar ou aproveitando os duches por ali espalhados para a toilete matinal. São muito jovens e estrangeiros.

É neste cenário de ar salgado, onde turistas de saco às costas acordam sonolentos, que o olhar dos viciados no jogging madrugador se cruza com praticantes de exóticos rituais, tipo yoga. Uma prática de estranhos gestos e movimentos trazidos para ali por novos turistas ou por jovens nómadas aqui ancorados. Há um elo comum a todos eles. O gosto pela liberdade. Pela aventura.

Dizem que os há por todo o lado da ilha. Nas serras, nas encostas do vale. Com pernoita recorrente junto aos pontos de maior atração paisagística. E há logo quem se incomode e critique este novo fenómeno turístico. Porque há quem veja no turismo única e exclusivamente a sua vertente económica. Para alguns, só é bem-vindo à região quem alimentar o seu negócio.

Percorrer outras terras de saco às costas é muito mais do que uma questão financeira. A quase totalidade destes jovens são europeus, oriundos de países com maior capacidade económica do que nós. Todos eles e elas poderiam viajar com os pais, o que fazem por vezes, ou escolher umas férias mais luxuosas, o que já repetiram desde criança e vão tornar a fazê-lo no futuro. Mas esta é aquela experiência que os jovens têm direito a realizar. Normalmente aos pares ou em pequenos grupos, aos casais de várias orientações sexuais.

O fenómeno não é novo e nunca afetou decisivamente nenhum destino turístico. Ao longo das últimas décadas, milhões de jovens europeus já tiveram uma experiência de viagem de saco às costas, com noite garantida em pensão estrela. Foi por isso que se criou, já lá vão uns cinquenta anos, o Interrail, o passe europeu que permite percorrer o velho continente em comboio por um preço muito acessível e durante um mês, para jovens de menos de trinta anos.

Foi dessa forma que dois irmãos machiqueiros, filhos de emigrantes, que viviam em Versalhes, nos arredores de Paris, fizeram a sua primeira grande aventura. Estávamos no longínquo verão do ano de 1980 e tinham pouco mais de vinte anos.

Acompanhados do amigo Didier, um jovem francês, lá foram por essa Europa fora. Durante um mês, com poucos francos no bolso e obrigados a fazer câmbio em cada país que visitavam.

Passagem pela Alemanha, depois Áustria, uma travessia dos Balcãs pela antiga Jugoslávia para finalmente chegarem à Grécia. Um salto a Istambul na linha do expresso do oriente foi um mergulho num mundo só visto no cinema. Regresso à Grécia, descida, com visita aos Meteoros, até à Atenas abordada nos manuais escolares da disciplina de História. Depois, as ilhas. Kea e Ios. Esta última em pleno mar Egeu ainda com vestígios do movimento hippie em rota para caminhos do oriente. Foi regresso de ferry para Itália, com Ítaca à vista e leitura da Odisseia. Subindo a bota até Milão, acabaram de papo ao sol junto ao lago Léman, em Genebra, na Suíça. Na última viagem de comboio, depois de um mês inteiro de deslumbramento e trepidação, foi uma soneca até Paris. Um sonho ainda hoje revivido.

A aventura é fundamental para a formação dos jovens. Não entremos nesta nova moda de cancelamento. De tudo proibir. A liberdade vale acima de muitas coisas.

Emanuel Gomes escreve à segunda-feira, de 4 em 4 semanas

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