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Artigo de Opinião

CONTOS INSULARADOS

25/06/2023 06:00

Mas tinha aquele oceano a perder de vista, transparente, com as pedrinhas roladas a luzir no fundo. Para quem era quase da serra, aquela parte da freguesia, junto ao mar, era quase o estrangeiro. Um oásis num deserto de trabalho duro, de sol a sol, para quem tinha de arrancar da terra o sustento, sempre com muito suor e tantas vezes com lágrimas. A beira-mar era, pois, frescura, brisa e o ócio que tanto almejavam nos domingos de verão em que não havia água de giro.

Nesse tempo, não havia via rápida, nem viaduto, que veio encurtar os tempos de viagem para a cidade. A estrada calcorreava-se da serra ao mar, circundando as bananeiras, e dava náuseas, sobretudo de camioneta, mas que levava àquele calhau a perder de vista, de quem olha com os olhos da infância. Na praia havia umas furnas, que davam abrigo a patuscadas - com lapas apanhadas ali ao lado e castanhetas trazidas numa voltinha de lancha - naquelas tardes que se prolongavam pela noite fora, com a mar a fazer rolar o calhau e a lua a refletir na água a brilhar e as Desertas escondidas, vigilantes, no horizonte.

No São João, saltava-se à fogueira e as miúdas tiravam sortes. Havia uma grandeza e graciosidade no pouco que se tinha e que era tanto. Um dia veio o progresso, como na novela que passava à época no único canal que a televisão transmitia com hora marcada. A ponte uniu as duas margens de encosta, deixando o vale lá no fundo, sem necessidade de por lá se passar, nas suas curvas, contracurvas.

O calhau ficou mais longe, debaixo do betão, uma grande obra de engenharia, onde a aldeia se uniu para ver o Papa passar antes de celebrar Missa no velhinho Estádio dos Barreiros, naquele dia de 1991 em que foi Caldeirão de Fé. Nunca mais foi aquela praia do primeiro parágrafo. Caiu em desuso o Porto Novo, da Furna do Mouco, com castanhetas a saltar da lancha para a frigideira, o cheirinho a maresia e a música do calhau a rolar, nas noites de São João, com sortes deitadas e risos nervosos de quem tinha, como única preocupação, uma fogueira para saltar.

Porto Novo, em memória velha.

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