MADEIRA Meteorologia

Artigo de Opinião

CONTOS INSULARADOS

7/01/2024 08:00

Era o frio e a humidade que entrava pelos ossos e a melancolia que se apoderava dos dias intermináveis do primeiro mês do ano. O cantar dos Reis e o varrer dos armários do Santo Amaro, que procuravam contrariar as luzes que se iam apagando nas ruas e na nossa alma. A esperança da passagem de ano, com o sumptuoso fogo de artifício que nos espantava e comovia, num tempo em que ainda havia espanto que é desassossego de verdade e o encantamento das coisas simples, ia desvanecendo nos pequenos dias escuros do primeiro mês. O que chegava cheio de pompa e promessas. Alegre e com toda a vitalidade de quem (re)nasce, mas que depois esmorece, como um sapatinho viçoso da Festa.

Janeiro era pior que uma paixão de verão. Um fogacho que se acendia e subia ao céu para jazer logo a seguir no chão das ruas da cidade vestida de festa. As searinhas amareladas na lapinha, que começava a causar enjoo. O resto de broas a amolecer nas latas.

Janeiro traz consigo a sensação de que foi sempre o mês das piores notícias, quando se calhar nem foi assim. O cancro que te corroía há anos, mas que só foi descoberto nesse mês, que arcou assim com as culpas, como um réu sem direito a contraditório ou a defesa. Janeiro, o bode expiatório das nossas dores. É um desgosto de amor esse mês bendito de recomeços, mas que vem sempre carregado de nuvens, de desassossego e tristeza. Talvez seja da desilusão do engano, de que poderia ser só brilhos, festa e cor, como prometido na noite mágica que marca o arranque, o começo auspicioso e que se vai desvanecendo nas semanas que parecem multiplicar-se, estender-se para prolongar o desconforto da humidade e da melancolia, que pesava e pesa nos ossos e na alma.

Janeiro que é o primeiro, mas do qual se anseia o fim. O mal-amado, o cinzento, o amargurado. É como um bom pretendente, que afinal era um engano. É o conto de fadas de final pouco feliz. Os pinheiros da frente a abanar nas noites de ventania e temporal e a ameaçar a segurança da nossa infância feliz, onde não sabíamos que estávamos a contar os janeiros que te sobravam, que nos sobravam juntos. É talvez também o injustiçado, o que dá luta, o que obriga a resistir e a sobreviver, agarrados à esperança de que o seguinte é mais pequeno, menos dorido e mais auspicioso. O que equilibra e dá balanço e forças para os que se seguem. E os dias que cresciam e levavam as nuvens para longe, destapando a linha do horizonte e as Desertas, que consola e fortifica.

Não te fazemos justiça, mês da antítese e do descontentamento, mas a verdade é que não ajudas nada!

OPINIÃO EM DESTAQUE
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