A proximidade das eleições presidenciais de 2026, num contexto de incerteza interna e externa, obriga a refletir sobre o papel do Presidente da República. A Constituição de 1976 instituiu um regime semipresidencialista no qual o Presidente não governa, mas garante que o país permaneça governável. Eleito por sufrágio universal e necessitando de mais de 50% dos votos, dispõe de legitimidade própria, autonomia e autoridade institucional.
O semipresidencialismo português combina elementos parlamentares e presidenciais, permitindo ao Presidente intervir em momentos críticos. Os seus poderes — veto político e por inconstitucionalidade, fiscalização preventiva, nomeação do primeiro-ministro e dissolução da Assembleia da República — conferem-lhe os meios para moderar crises, corrigir desvios e assegurar o regular funcionamento das instituições. O exercício destes poderes tem sido marcado pela prudência, contenção e sentido democrático, mas não sem impacto na vida política.
Desde 1976, cada Presidente interpretou a Constituição à sua maneira, contribuindo para moldar o funcionamento do regime. Ramalho Eanes estabilizou a jovem democracia, afastou radicalismos e consolidou instituições frágeis. Mário Soares projetou Portugal internacionalmente, reforçou a integração europeia e exerceu um firme contrapoder, sobretudo durante a coabitação com Cavaco Silva. Jorge Sampaio mostrou que prudência não significa inação, assumindo decisões decisivas como a dissolução de 2004 e reforçando o papel presidencial como mediador. Cavaco Silva adotou uma leitura mais estrita da Constituição e preferiu a distância institucional, mas na crise financeira recorreu ao veto e a intervenções públicas, culminando na dissolução de 2011. Marcelo Rebelo de Sousa trouxe proximidade social e comunicação constante, mediando conflitos e recorrendo a vetos com maior intensidade após 2022. Em conjunto, estes mandatos demonstram que a Presidência nunca foi apenas simbólica: a leitura que cada Presidente fez dos seus poderes foi determinante para a estabilidade e resiliência da democracia.
A análise histórica evidencia que o papel do Presidente se adapta às circunstâncias: árbitro, estabilizador, contrapoder, mediador e símbolo de unidade nacional. O semipresidencialismo português é flexível para permitir estes diferentes estilos, mas claro o suficiente para impedir excessos e garantir que a intervenção presidencial ocorre apenas quando o equilíbrio democrático está em risco.
Hoje, Portugal aproxima-se das eleições de 2026 num cenário inédito: crescimento da extrema-direita, erosão da confiança nos partidos tradicionais, polarização mediática e volatilidade eleitoral. A nível global, multiplicam-se guerras, conflitos, tensões energéticas, impactos da crise climática, desafios migratórios e uma competição internacional marcada pela ascensão de potências autoritárias. Esta reconfiguração internacional pressiona democracias consolidadas e torna ainda mais necessário um Presidente capaz de moderar, unir e proteger o Estado de direito.
Neste contexto, o Presidente não pode limitar-se a uma função cerimonial. Deve ser garante ativo da democracia, prevenindo capturas institucionais e assegurando que a competição política decorre dentro das regras, com respeito pelos direitos fundamentais. A função presidencial exige visão estratégica, autoridade moral, capacidade de diálogo e firmeza democrática — alguém capaz de unir sem ceder ao populismo, comunicar sem simplificar e representar Portugal com credibilidade num mundo instável.
As eleições de 2026 não escolherão apenas um rosto para Belém, mas o tipo de democracia que o país quer preservar — e o árbitro que estará em campo quando o jogo democrático for mais testado.