E nós somos os ilhéus, filhos impenitentes da insularidade, vivendo na incerteza do que se esconde para lá do horizonte, habituados a fazer da ilha evasão mesmo estando ela sempre sitiada.
Ilha e ilhéus, ligação indissociável entre o cativeiro e o cativo, que contém tanto de amor e um quanto de hostilidade.
A ilha molda o ilhéu mas o ilhéu molda também a ilha, um não existe sem o outro e ambos avançam e regridem sincronizados nessa existência comum, podendo contar apenas com o que cada um dá e recebe. É uma relação que se transforma a cada momento sem jamais se quebrar.
Mas não é ilhéu quem quer, desengane-se quem pensa o contrário.
E não, não basta nascer na ilha para se ser ilhéu. E sim, há quem sem nascer na ilha se torne inevitavelmente ilhéu. É tão só na génese da alma que se exara as características definidoras para se ser ilhéu.
O ilhéu possui uma precisa dose de loucura e uma certa bipolaridade. Há nele a brisa do mar e os odores da serra, há nele uma vontade de partir e um querer permanecer, há nele uma inata curiosidade e uma aversão ao que não conhece. E depois há aquela aliança inquebrantável ao mar pois o ilhéu é capaz de sobreviver sem ele mas só vive e floresce quando respira a sua maresia.
Todo o ilhéu sente o ímpeto de ir para além do que a vista alcança.
Mas há os que viram as costas às tentações para que o mistério permaneça misterioso, optando por construir todo o seu universo dentro dos limites da ilha.
E há os que se fazem ao mundo porque assim querem ou assim tem de ser. Estes são os audazes ou os que já não têm nada a perder, capazes de viver onde há somente incerteza, desterrados mas nunca resignados. Vivem a sua existência enfrentando os desafios com que o destino lhes brinda e sempre com a enraizada ideia de regressar um dia, aconteça ou não esse regresso.
Eu fui sempre parte da ilha enquanto ela foi descoberta e cedi apenas aos meus desejos expansionistas quando a curiosidade superou o medo e a necessidade venceu a inércia.
Tornei-me de início península através do cordão umbilical que mantinha à ilha mas, uma vez libertado de todas as amarras, decidi seguir em frente sem temores e espalhar a minha insularidade por todos os hemisférios.
Se os que persistem em ficar são os que esteiam a ilha e - haja o que houver - serão capazes de mantê-la sempre firme, são afinal os que ousam ir que fazem da ilha um arquipélago constituído por cada ilhéu que se encontra espalhado mundo afora.