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Artigo de Opinião

Há muito que a circunstância atual da Habitação deixou de ser unicamente uma questão numérica. Desde os anos 70 que se adensam sinais de desequilíbrio, e ainda hoje se insiste em respostas avulsas: incentivos dispersos, aumentos de oferta sem planeamento integrado, ou programas que, sob a capa de “cooperativas”, acabam dominados por construtoras interessadas em benefícios fiscais e isenções. O resultado é previsível: apartamentos vendidos ligeiramente abaixo do mercado, mas ainda longe do alcance da maioria, sem resolver o problema estrutural.

Na Madeira, existem mais alojamentos do que famílias, e ainda assim a habitação permanece inacessível. É o novo paradoxo das cidades contemporâneas: edifícios cheios de valor e vazios de vida. Quando o edificado se transforma em ativo financeiro – sujeito a arrendamento turístico, especulação ou valorização constante, o direito constitucional à habitação (artigo 65.º) perde substância.

A solução talvez não resida na multiplicação do edificado, mas em devolver sentido ao que já existe. Reabilitar imóveis subutilizados, reconverter espaços abandonados, estimular ocupação permanente e criar incentivos fiscais à habitação efetiva são medidas que resgatam a cidade enquanto organismo vivo. Cada hectare ocupado implica custos ecológicos e energéticos; a densidade de vida, o tempo de permanência e a interação quotidiana devem sobrepor-se à obsessão pelo crescimento contínuo. O mercado tradicional, a habitação social e o arrendamento mercantil não respondem à crise estrutural. É necessário um quarto pilar: o das (verdadeiras) cooperativas de habitação, que colocam a estabilidade, a acessibilidade e a permanência acima do lucro. Experiências suíças, como a Kalkbreite em Zurique ou a La Ciguë em Genebra, provam que é possível construir edifícios permanentemente afetos à habitação: proteção contra despejos, rendas acessíveis, quotas iniciais reembolsáveis sem mais-valias e gestão coletiva protegem o uso social do espaço e preservam a memória da cidade.

Em Portugal, os enquadramentos legais — do Decreto-Lei n.º 162/93 à Lei n.º 56/2023 — ensaiaram aproximações, mas sempre com portas abertas à mercantilização: restrições temporárias de venda, transmissões condicionadas ou regimes dependentes de regulamentos. Não se cria, assim, uma via paralela estável, mas apenas um intervalo até que os fogos regressem ao mercado. A diferença é clara: enquanto o regime português adianta soluções, mas deixa a porta aberta ao mercado, o modelo suíço fecha-a estruturalmente. A propriedade nunca chega ao indivíduo, o que garante a permanência da função habitacional.

Na Madeira, território finito, pressionado pelo mercado imobiliário, a solução não pode ser (só) mais construção, mas uma estratégia regional que articule solo público, instrumentos financeiros e enquadramento jurídico robusto, fomentando permanência, coesão social e proteção do quotidiano. Esse é o ensinamento suíço: construir um pacto social do habitar.

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