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Artigo de Opinião

DO FIM AO INFINITO

27/09/2024 08:00

Num desses voos, voando entre o sonho e o espelho da realidade, ele encontrou os homens reunidos no bar. Lá fora escorria uma noite de inverno, fria e chuvosa, mas no interior o ambiente era acolhedor. Estavam numa rua sombria, numa cidade à beira mar. Talvez fosse a sua cidade natal em tempos antigos.

Ele estava de pé numa extremidade do balcão e na outra estava o seu pai, também de pé. O pai sentia-se feliz por o ter ali consigo. Todos aqueles homens eram amigos do pai e, por isso, todos o conheciam muito bem. Estavam bêbados e ergueram os copos em grande algazarra para mais um brinde proposto pelo pai. Gritaram todos a uma só voz:

– Ei, Ei Capitão!

O pai ergueu o copo e disse:

– Mais uma vez.

E todos gritaram:

– Ei, Ei Capitão!

Os homens gritavam com voz poderosa, com voz destemida e o espaço vibrava, o espaço tremia, e o pai virou-se para ele e disse:

– É assim que se brinda à vida, meu filho!

Um homem foi ter com ele ao balcão. Trazia um sorriso ébrio, um sorriso que tinha naufragado algures entre a crueldade e a lhaneza, e pregou-lhe duas, três palmadas amigáveis no ombro.

– Trago notícias da tua mulher – disse.

Ele ficou subitamente espantado, ficou aturdido e notou o coração a acelerar rumo à melancolia, rumo à tristeza.

– Tu bem sabes que não tenho mulher – disse.

– Tens, sim. Aquela que te deixou.

Então o homem, cujo rosto era impreciso e parecia feito de fumo, contou que a tinha visto no Lido de Veneza, no verão anterior, passeando na praia, mais segura e bela e luxuosa do que nunca. Disse-lhe que ela agora era rica, muito rica. Disse-lhe que tinha enriquecido com base num jogo que consistia em adivinhar o pensamento de homens poderosos. Disse-lhe que vivia num palácio, lá mesmo, em Veneza.

– Que jogo é esse? – Perguntou ele.

As regras são simples, disse-lhe o tipo com cara de fumo. No Lido, por exemplo, ela avistou dois desses homens poderosos estendidos em espreguiçadeiras a conversar, talvez fossem magnatas americanos, ou mafiosos russos, ou príncipes das arábias, não interessa. Seja como for, ela decidiu entregar-se a um deles, ao que dissesse esta frase:

No sul as nuvens são de tempestade.

Parece impossível entrar num jogo destes, parece coisa de filme, mas o facto é que a decisão a carregou de uma sensualidade brutal, estonteante, inigualável por outra mulher em tempo algum. As hipóteses de ganhar eram remotas, pelo que o sabor da vitória seria tremendo.

Ao passar pelos homens, ela abrandou o passo para ouvir o que diziam.

– Como vai a vida nas ilhas? – Perguntou um deles.

O outro respondeu:

– No sul, meu caro, as nuvens são de tempestade.

E ele murmurou, pesaroso:

– As nuvens são de tempestade...

Olhou perplexo para o rosto diabólico à sua frente e imaginou a mulher a afastar-se na praia, elegante e determinada, a caminho de mais uma noite de amor e ouro e sexo com um desconhecido, um tipo qualquer podre de rico, podre de manias, podre de taras e ventanias que sopram de um único quadrante, sempre do quadrante mais improvável.

– Não pode ser Veneza! – Disse ele, desolado.

Agora, estava completamente triste e apetecia-lhe chorar.

– Deves estar enganado – disse ele. – Deve ser outra cidade. Talvez Belgrado. Veneza, não.

Veneza foi a nossa última cidade...

– Veneza, Belgrado, Funchal... O que estás tu para aí a dizer? – Disse o mensageiro, ao mesmo tempo pérfido e conciliador. – Que te importa o nome da cidade? O certo é que ela te abandonou. É por isso que estás aqui.

– Ei, Ei Capitão! – Gritaram os homens no bar e o espaço vibrou, o espaço tremeu.

– Ei, Ei Capitão! – Disse o pai. – É assim que se vence os dias, meu filho!

Por fim, também ele ergueu o copo e gritou:

– Ei, Ei Capitão!

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