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Artigo de Opinião

DO FIM AO INFINITO

3/02/2023 08:00

Agora penso muito na morte, em todas as formas de morte, incluindo as que não o são de facto, mas sobretudo penso na morte que vem sob a forma de doença súbita, real e efetiva, e quina o indivíduo do pé para a mão, sem dó nem piedade, levando-o desta para melhor sem mais nem menos e deixando os seus conhecidos todos de boca aberta, a dizer coisas do género:

- Não acredito!

- Não é possível!

- Não pode ser!

Penso muito neste tipo de morte porque estou numa idade em que se morre muito assim… É aquela idade madura que nos empurra sem freio para o vazio, cada vez mais afastados da inocência, cada vez mais distantes do esplendor dos sonhos, porém irremediavelmente mais próximos, em consciência, da vertigem da eternidade e da opulência do nada.

Toda a gente sabe de gente que morreu assim, de repente, num abrir e fechar de olhos. Toda a gente conhece as histórias desarmantes que narram os seus instantes finais. E não eram velhos. Eram pessoas de quarenta e tal anos, cinquenta, às vezes trinta e poucos, a maior parte saudáveis, pelo menos aparentemente saudáveis, algumas até praticavam desporto. Estavam bem, a falar e a rir, a comer e a beber, a andar e a bailar, mas depois sentiram-se mal, uma súbita indisposição, uma náusea. Foram descansar um pouco e a seguir encontraram-nas mortas no sofá, ou no carro, ou no balneário do campo onde estiveram a jogar à bola com os amigos. Histórias assim, tristes, surpreendentes, amargas, que fomentam uma horrível sensação de impotência e de fragilidade no coração do ouvinte, levando muitos a dizer:

- Não somos nada!

Ou com a bela pronúncia madeirense:

- Nã sêmes nada!

A coisa é de tal ordem intensa que um gajo agora sempre que bebe um copo de vinho a mais ou repete uma fatia de presunto ou mastiga uma pizza suculenta esquece-se logo do prazer dos sabores e fica a pensar que o excesso o pode matar da noite para o dia. Vai daí decide comer saladas e beber água para se salvar, mas o pensamento acaba por ser o mesmo por causa dos fertilizantes e dos pesticidas e de todos os demónios que atormentam os setores agroalimentar e pecuário e das pescas e afins. Ou seja, a partir de uma certa idade, a morte não nos larga, mesmo quando assobiamos para o lado e fingimos não ter medo do fim.

No meu caso, acresce o facto de nos últimos cinco anos me terem morrido quatro pessoas próximas, entre as quais o meu pai e o meu melhor amigo. A ideia da morte tornou-se bastante presente no meu quotidiano, mais ainda se incluir os seis cães que também morreram nesse período, todos velhos companheiros da família, um deles eu próprio enterrei na fazenda, como sempre fizemos com os nossos animais de estimação.

Bem, estava eu perdido nesta meditação, tendo chegado a um ponto de extremo desânimo e de lamentável falta de soluções para prosseguir e concluir o texto - este texto que vos entrego - quando subitamente oiço uma mulher irritada na rua em frente do meu apartamento a dizer assim:

- Não sabes onde é a direita?! Não sabes onde é a direita?! Vai dar uma volta!

Um homem, igualmente irritado, reagiu:

- Vai pó…

E seguiu-se um palavrão de alta envergadura.

Ou seja, a vida é dinâmica, a vida é extraordinária, a vida é uma dança para espantar a morte e quem não dança não está vivo, não importa o ritmo nem o estilo. No fundo - e à superfície também - a vida é uma viagem ímpar e sem regresso ao infinito do ser - o lugar mais belo e inóspito do universo.

Para confirmar a teoria, quando a Pat chegou a casa, à noite, lancei-lhe um desafio de rompante:

- Diz-me uma frase para eu fechar a crónica.

Ela respondeu sem pensar:

- Vai-te lixar!

Morte súbita.

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