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Artigo de Opinião

Professora Universitária

7/02/2022 06:40

Honrosas exceções, a de Irene Pimentel, por exemplo, que chamou a si a responsabilidade de historiadora para contar, para alertar, para colocar em linhas direitas o que a extrema direita populista, de molde autoritarista e anti-indivíduo e anti-próximo, enviesava. Sabe bem, como o sabe todo o historiador ou escritor, que a história corre o perigo de ser reescrita ou recomposta segundo as vontades do presente e é necessário lembrar o que de facto foi.

E o presente da direita radical e radicalizada é a amnésia sobre o passado recente, desvalorizando conquistas como a democracia, as autonomias regionais, a igualdade de oportunidades, como se elas tivessem sempre existido e culpando-as muitas vezes do que chamam por "pouca vergonha" criada por uma sociedade demasiado tolerante e inclusiva. Os tiques desta direita extrema, no entanto, começam a entrar no discurso de algum centro direita, angustiado com a perda de votos: o simplismo das soluções (como achar que o problema dos sem abrigo é apenas a habitação e o trabalho, sem ter em conta razões como a saúde mental, o abuso de drogas e vícios, como o alcoolismo), o discurso paternalista de quem sabe para onde vai como resposta ao saudosismo dos órfãos do poder autoritário e a resposta fácil aos que acham que lhe estão a roubar os privilégios de elite e aos zangados com tudo e aos que têm sede de razia, de ordem e de regras (para os outros, estando eles no poder, seja bem claro), e aos que querem touradas e aos que não querem migrantes, etc. etc.

Miguel Real, em entrevista a um jornal nesta semana, explicava o que tem vindo a dizer nos últimos tempos: intelectuais como Boaventura de Sousa Santos, Gonçalo M. Tavares, Viriato Soromenho-Marques são exemplos de intelectuais empenhados em transformar o mundo, porém, não o fazem usando uma voz política, mas uma voz estritamente cultural. A política, segundo o escritor, perdeu o "fulgor de transformador do mundo", existindo apenas como "regedor da existência". Enquanto o cientista transforma diretamente a nossa vida, modelando uma nova existência social, a cultura abre novos horizontes ao pensamento, a política rege.

Esta separação entre intelectuais e política, porque esta é vista como uma espécie de trabalho burocrático, económico, que faz leis e dá ordens, pode parecer justa num primeiro momento, mas num país de muitos milhões de analfabetos funcionais (na Madeira, segundos os últimos censos, na RAM cerca de 60% da população que aqui habita tem no máximo o ensino básico), em que, como escreve Real em A Vocação Histórica de Portugal, o "nível cultural sobre a história de Portugal e comoção sentimental face à pobreza são praticamente inexistentes", o perigo é o sonambulismo e a fácil ascensão dos extremismos.

A conjuntura permite substituir, assim, por desconhecimento e adesão a discursos simplistas, cheios de regras, a nossa vocação histórica humanista pelo individualismo, o relativismo ético e o hedonismo social, sem ética, que despreza os resultados da ciência, sem moral, sem respeito pela Natureza. Isto quando o mundo precisa de novas ideias, novo valor dado ao Homem e à Humanidade; novo valor dado ao que nos rodeia.

Para isso, necessitamos da responsabilidade das vozes dos intelectuais. Por exemplo, para explicar o que é feminismo à nova deputada do Chega, deixando claro que se não existisse, com o sacrifício de tantas mulheres na história, ela não poderia estar hoje no Parlamento. Os valores semânticos, a responsabilidade da palavra, a ética, e os conhecimentos históricos, culturais e científicos são os únicos que nos podem livrar das misérias de uma direita "não-fofinha" que distorce ideias e usurpa os conteúdos das instituições que regulam a nossa vida social. O babelismo, o "desalmar as palavras", afastam-nos da justiça e da liberdade, o pior desastre dos povos e das nações.

Esperemos que os intelectuais e políticos não se esqueçam das suas responsabilidades, que não caiam, no desespero de obter maiorias, no esvaziar do conhecimento e que, como escrevia Ramos Rosa, se façam construtores, com "uma abertura aos outros sem preconceitos nem fantasias deformadoras", considerando que ser e estar com os outros é a condição inicial da construção.

Luísa Antunes escreve
à segunda-feira, de 4 em 4 semanas

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