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Artigo de Opinião

AQUINTRODIA

7/03/2023 08:00

Era uma galhofa aquela viagem, dominada pelo grupo bem disposto e desinibido.

Todas aperaltadas, pintalgadas, saias curtas ou leggins apertadas, perfumes fortes e baratos, conversavam, das peripécias intrincadas das novelas, do big brother, com as relações duvidosas, a roçar a escandaleira, ou viragem de valores e princípios, dos votos que tinham remetido através de dezenas de chamadas de valor acrescentado, das suas preferências e recusas.

Comentavam as expulsões, os namoricos, as infidelidades e traições, os piercings e tatuagens, os chumaços e tamanhos dos seios pouco encobertos e vistosos…

Todo o autocarro tinha de suportar as conversas e gargalhadas.

Ninguém se atrevia a comentar o que fosse, sujeito que ficava ao chorrilho de impropérios e palavrões do grupo solidário na defesa do seu estilo e comportamento.

Umas gabavam as viaturas de alta cilindrada dos companheiros, referindo as formas pouco claras e ortodoxas, a que chamavam espertezas, de legalidade duvidosa, como conseguiam obter aquelas «máquinas», abordando as negociatas de produtos viciantes.

Naquela paragem entrou a mulher.

À pergunta para onde ia, esclareceu que conseguira trabalho num restaurante.

Provocou risada a resposta feliz da mulher.

Vai trabalhar, amiga, faz muitos descontos, que é para alimentar os subsídios que vamos recebendo!

Olha o nosso trabalho é passear de autocarro quase todos os dias, com passes à borla, frequentar cafés e esplanadas, namoricar, gozar a vida com os subsídios do governo, que vem dos que se incomodam a trabalhar...

E todas riam à boca cheia, cimentando a revolta nos passageiros que, como a mulher acabada de entrar, se deslocavam para o trabalho, onde iam recebendo os salários, normalmente baixos e pouco seguros, mas que lhes alimentavam a vida dum dia a dia de esforço e honestidade.


Alunas e amigas, mas…

Manhã cedo, apanhavam o comboio apinhado, gente dependurada nas portas, sardinha em lata, com cheiro a sonolência e sabor a café apressado.

Não havia palavras, nem risos, não havia simpatias ou cumprimentos.

Todos os viajantes levavam ainda a noite pouco dormida, transportavam o sono interrompido, que tentavam ali prolongar numa modorra silenciosa.

No destino, a onda era um tropel de passos automatizados, que se dispersavam pelas ruas ainda a despertar para mais um dia.

As duas amigas apanhavam a ligação ao «metro» para a cidade universitária.

Ambas no mesmo curso, ano e turma, pouco a pouco foram ganhando amizade. Investigavam juntas, faziam os trabalhos escritos a meias, passavam horas a queimar pestanas na biblioteca ou em cafés.

Aos poucos foram ganhando intimidade e revelando as vidas.

Uma era filha de pais professores de aldeia, onde eram considerados e estimados. Incutiram na filha a vontade da licenciatura. Com algum sacrifício financeiro, lá pagavam a renda dum pequeno quarto, suportavam os custos das propinas e demais despesas essenciais que um curso universitário acarreta.

A outra, filha de pequenos comerciantes, beneficiava de bolsa de estudos, sendo que os pais ainda lhe remetiam boa mesada.

Numas férias, foram visitar os pais da bolseira, comerciantes numa cidade do interior.

A filha dos professores ficou pasmada pela facilidade de vida dos pais da amiga, donos dum estabelecimento de boa clientela, proprietários de viatura topo de gama, e a própria filha era dona dum veículo simpático, que utilizava nas férias, para as suas passeatas. Viviam numa casa agradável, se não luxuosa, bastante cómoda e bem preenchida.

Quando perguntada como conseguira a bolsa, perante os sinais dos bons rendimentos dos pais, a explicação foi simples:

Fácil. Pouco declaram. Oficialmente são pobres…

E deu uma gargalhada!

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