A natureza criou os sons, os homens inventaram o ruído. O silêncio deve estar reservado para o incontornável direito ao descanso, para o tempo da introspecção e para os momentos funestos e confrangedores em que as palavras soam intrometidas e desnecessárias. Mas há momentos triviais na vida que, no meu entender, têm uma particular solenidade e deviam exigir abstenção de barulhos.
A contemplação das coisas naturais, o tempo dos repastos e a sornice estival são alguns dos exemplos em que o silêncio devia imperar. A comunhão com o esplendor da natureza não se compagina com os burburinhos de multidões, nas suas excitadas e estridentes exclamações de encantamento e de acerto da pose para a foto. A mesa, e o seu tempo cerimonioso e de compenetração ritual, não se adequa com vozearias irritantes e ensurdecedoras, menos ainda com batucadas musicais. A moleza e o descanso contemplativo em momentos de vilegiatura também não quadram com Reggaetons monótonos e estafados ou com os ritmos dos tops da RFM. Respeito as apetências e sensibilidades de cada um, tanto quanto gostaria que se honrassem as dos que abominam as manifestações ruidosas em lugares e situações em que o silêncio devia ser de ouro.
As levadas e os trilhos que outrora eram santuários de solidão e de calma, onde só se ouviam os sons da natureza e do silêncio que apelavam à admiração e à meditação, estão transformados em espaços excursionistas onde gente se acotovela ruidosamente em busca da melhor vista ou o melhor angulo para o retrato. Nalguns restaurantes, quais cantinas universitárias, é-se brindado com arrastadas algazarras, onde à boa moda portuguesa, todos falam, riem e esbracejam ao mesmo tempo e em altos sonidos, como se se estivesse alegremente na azáfama do mercado do peixe. Há outros ainda que para supostamente alindar o ambiente, acham de mimosear as refeições dos clientes com ritmos modernaços e despropositados. E já nem falo dos cavalheiros que embevecidos com a potência do autorrádio e o seu gosto musical discutível querem impingi-lo a todos os passantes ou os diletantes que carregam as colunas de som para qualquer espaço. E o que dizer das pérolas musicais do entretenimento que algumas unidades hoteleiras, nos espaços ocupados da nossa praia rainha, debitam batidas prolongadas e em altos decibéis, perturbando quem procura um espaço público de sossego? E dos tipos que ali se encarregam da animação, das ginásticas e outras coisas tais, a clientes que com isso se deliciam metidos numa piscina a uns metros de uma praia fabulosa, estendendo os seus espalhafatos ruidosos aos que do lado de fora procuravam tranquilidade e paz?
Temo que, se a moda pegar nas outras unidades que vão consumindo o areal, não reste nada do antigo espaço de silêncio e apaziguamento, forçando os veraneantes à procura de outros destinos. Houve tempos em que o barulho, a música, se confinava às quatro paredes de espaços propositadamente criados para isso, como as salas de espectáculo e as discotecas. Claro que existiram sempre as romarias e as festas populares onde os sons se propalam extramuros, mas que pela sua tradição e excepcionalidade se toleram.
Hoje é que tudo, e em qualquer lado, parece querer romper atrevidamente o silêncio. Não sei se da idade, se da falta de pachorra, sou um tipo que, apaixonado pela música, cada vez mais preza a quietude e o silêncio. Mas compreendo e aceito que a juventude pulsante e a meia-idade ávida e revivalista ainda não os considerem. Seguramente chegará o tempo em que poderão alcançar o seu valor precioso.
Entretanto, depois do chinfrim da campanha eleitoral, reflictamos hoje em silêncio na escolha de amanhã. Vá votar.