MADEIRA Meteorologia

Artigo de Opinião

Professora Universitária

8/03/2021 07:45

Para os autores, pandémica é a cultura consumista, que transforma qualquer lugar de trabalho e família num local de consumo de tranquilizantes e analgésicos para atenuar ou aplacar dores que, neste caso, não são físicas, mas morais.

À medida que a negligência moral se intensifica e contamina os homens, aumenta a procura dos antodoloríficos e, consequentemente, cria-se a habituação. O resultado é a insensibilidade moral artificialmente induzida: a dor é sufocada antes de se tornar preocupante, fastidiosa, e a trama das relações humanas, que deveria ser tecida com a moral, faz-se sempre mais frágil e delicada até que se rompe. Os cidadãos afastam-se dos problemas da coisa pública, fonte de perturbação, e a política encontra-se - melhor, é empurrada - a interpelar os governados como consumidores e não como cidadãos, fazendo do consumo o cumprimento de um primário dever cívico.

Leonidas Donskis demonstra preocupação por uma política em que a autoridade moral ficou marginalizada e fala de embaraço,"paradoxal ou sinistro", numa política de acordos entre grupos políticos que negoceiam e suspendem as próprias escolhas ideológicas para chegar ou manter-se no poder, respondendo a sondagens ou desejos dos consumidores, confundindo cidadania com escolhas de mercado. E a Política com maiúscula parece ter chegado ao fim, com os problemas e objetivos privados de pessoas, bancos e empresas transformados em questões públicas e as questões públicas em problemas privados, quando são, não raras vezes, de importância vital.

Que a política bata em retirada quando as personagens histriónicas, com a missão de conquistar o poder seguindo as sondagens do mercado e o marketing que encontram as correntes subterrâneas que movem as escolhas e os votos, tomam o lugar dos políticos, já é conhecido. Estamos a caminhar rapidamente para uma fase da vida política obcecada pelo poder em que o principal adversário pode não ser outro partido político, mas uma organização influente, apoiada na sombra por grupos desconhecidos.

Além disso, sabem-no tanto as novas personalidades políticas histriónicas como as velhas personalidades habituadas desde decénios às cadeiras do poder, a velha estratégia do bastão e da cenoura ainda funciona. E não interessa ter uma identidade política tenaz, identificável, ou uma grande ideologia. Compro com a cenoura, por isso "sou". E posso comprar, porque a política cada vez mais se liga às grandes potências financeiras e económicas.

Em Itália, o secretário geral do Partido Democrático demitiu-se, porque disse que estava cansado da política de distribuição de poltronas. Não conhece as estratégias do nosso governo regional ou do dos Açores: não se distribuem as poltronas já existentes, multiplicam-se. Onde cabiam 100, podem caber 500 e ficam todos contentes. Na Itália, no entanto, ainda vai havendo comunicação social isenta de poder político e económico que conta as poltronas e investiga os traseiros que nela se sentam. Coisa bem mais difícil numas ilhas com cerca de 250 mil pessoas e um ou dois poderes políticos e económicos.

Na política da cegueira moral que empurra os cidadãos ao consumo, fazem-se acordos em que a ideologia e a identidade não interessam, num "Ai, Chega, Chega a minha agulha" em que se dá o buraquinho da agulha a uma linha que permite chegar ao poder, mas que pode desvirtuar o que se cose. Que o diga o nosso CDS irreconhecível, calado nas Gingas, esquecido do que defendia, reduzido ao panegírico ao PSD na voz de Lopes da Fonseca. Agora, o novo CDS é o Chega. É o que os estudos de mercado disseram ao presidente do GR. Por isso, "Afasta, afasta", o CDS reduzido a um dedal provisório. Calado, único alicerce do governo, afasta-se ou chega, não se sabe, para servir estratégias políticas, económicas, quem sabe o quê, escolhido pelos militantes como quem escolhe a canção do festival em televoto. Esperemos que a estratégia da cenoura não vença e que vingue a política do fazer tranquilo de Miguel Silva Gouveia.

Depende da anestesia do corte e costura e do número de tranquilizantes à mão dos cidadãos.

Luísa Antunes escreve
à segunda-feira, de 4 em 4 semanas

OPINIÃO EM DESTAQUE

88.8 RJM Rádio Jornal da Madeira RÁDIO 88.8 RJM MADEIRA

Ligue-se às Redes RJM 88.8FM

Emissão Online

Em direto

Ouvir Agora
INQUÉRITO / SONDAGEM

Concorda que Portugal deve “pagar custos” da escravatura e dos crimes coloniais?

Enviar Resultados

Mais Lidas

Últimas