Analisado o enquadramento e o conteúdo essencial do Anteprojeto de Reforma Laboral 2025, importa agora confrontar as críticas dominantes com o texto efetivo da proposta e com o regime em vigor, distinguindo análise séria de ruído político.
A primeira acusação recorrente é a de que a reforma facilita despedimentos e aumenta a insegurança laboral. Esta crítica não procede. O anteprojeto não cria novas causas de despedimento, não reduz indemnizações nem enfraquece a tutela judicial. O que faz é introduzir mecanismos de previsibilidade (como a exigência de caução nas reintegrações), e simplificar procedimentos para as empresas. Isto não é liberalizar o despedimento; é reduzir o impacto da imprevisibilidade judicial.
Segue-se a crítica relativa ao aumento da precariedade, nomeadamente através de contratos a termo eternos e da reintrodução do banco de horas individual. Importa ser rigoroso. O anteprojeto não permite que um trabalhador esteja eternamente em contratos a termo para o mesmo empregador. Mantêm-se os fundamentos taxativos, os limites máximos de duração, número de renovações e a conversão automática em contrato sem termo quando esses limites são ultrapassados. A acusação de “eternização” destes contratos não tem suporte jurídico no texto proposto. Já no banco de horas individual, a crítica sustenta-se: a flexibilidade aumenta e, com ela, o risco de pressão sobre trabalhadores em setores mais frágeis. Um ponto sensível que exigirá fiscalização efetiva e prudência na aplicação.
Outra acusação é a de que a reforma alarga o recurso ao outsourcing. Esta crítica não resiste a uma leitura atenta do anteprojeto. O diploma revoga normas permissivas, reforça o regime da transmissão de empresa e introduz o direito de oposição do trabalhador à sua transferência. O efeito é o oposto do alegado: dificulta operações de outsourcing laboral agressivo e reforça a proteção dos vínculos existentes.
No domínio da parentalidade, a narrativa do retrocesso é simplesmente falsa. O diploma reforça os direitos parentais em vários planos: alarga a licença parental inicial partilhada até 180 dias, aumenta para 28 dias o período obrigatório de licença do pai, introduz maior flexibilidade na partilha entre progenitores e reforça a proteção em situações de prematuridade, internamento hospitalar ou nascimento múltiplo. Acresce ainda a clarificação de regimes de faltas justificadas para assistência a filho e a adaptação de horários para conciliação familiar. Estamos perante uma expansão efetiva de direitos sociais, alinhada com modelos europeus, e não perante qualquer redução de garantias laborais nesta matéria.
Apontam-se também críticas às faltas não remuneradas até dois dias antes ou depois das férias, apresentadas como uma “falsa benesse”. Esta reserva é compreensível. Trata-se de uma opção que pode ser útil para quem tem margem financeira, mas penalizadora para salários mais baixos. É uma possibilidade contratual, e deve ser analisada sem ilusões nem dramatizações.
A contestação sobe de tom quando se aborda o direito à greve e a questão dos serviços mínimos. Porém aqui a crítica é mais política do que jurídica. O anteprojeto não limita o direito à greve, nem amplia substancialmente o regime existente. O que faz é clarificar e reforçar a garantia de serviços mínimos em setores essenciais, limitando o poder de bloqueio absoluto. Num Estado de Direito, isto não representa um ataque à liberdade sindical, mas um esforço de equilíbrio entre direitos fundamentais em tensão.
E aqui se chega ao verdadeiro nervo do conflito: a negociação coletiva. Sempre que se mexe neste domínio, a reação sindical é desproporcionada porque não está em causa apenas um regime jurídico, mas o principal centro de poder estrutural dos sindicatos. Em Portugal, a contratação coletiva deixou de ser um espaço de negociação efetiva para se transformar num mecanismo de bloqueio confortável, sustentado por regimes de sobrevigência prolongada e pela ausência de consequências reais da não negociação. Alterar este equilíbrio significa retirar inércia, exigir compromisso e obrigar a negociar sem rede. E isso expõe fragilidades internas e ameaça estruturas sindicais que perderam base social, mas conservaram poder jurídico.
E assim nasce a narrativa do “retrocesso civilizacional”. Não como descrição jurídica rigorosa, mas como instrumento retórico. O anteprojeto não elimina direitos históricos nem regressa a modelos pré-democráticos. Reconfigura equilíbrios, redistribui poder e impõe maior disciplina negocial. O alarido não é jurídico nem civilizacional, é existencial. Quando a negociação coletiva deixa de garantir poder por defeito, a reação deixa de ser técnica e passa a ser visceral, e é aí que o conflito deixa de ser jurídico para se tornar político e cultural. Não estamos perante uma lei “contra os trabalhadores” nem perante uma revolução liberal. Estamos perante uma tentativa imperfeita de ajustar um sistema pesado a um mundo que mudou.