A Justiça madeirense anda às turras consigo própria. E quem paga a fatura, como sempre, são os cidadãos.
Porquê? Porque parece não existir um entendimento claro sobre o que é necessário para deter quem comete um crime. Parece pouco crível que assim seja num Estado de direito, mas é a realidade nua e crua e há exemplos recentes desta dicotomia entre órgãos da Justiça na Região.
É verdade que quando há boa vontade, todos se entendem, mesmo que falem línguas diferentes. Mas quando não se querem entender, o resultado é este espetáculo pouco recomendável onde PSP e Ministério Público parecem estar em lados opostos. Cada um a puxar a manta para destapar o outro.
A sensação que fica é a de um sistema que ora avança, ora recua, mais ao sabor de interpretações e timings do que de uma atuação coordenada e de uma Justiça verdadeiramente funcional.
O caso do assaltante em série, revelado pelo JM, expôs de novo esta dissonância. A PSP detém o suspeito em flagrante. O Ministério Público analisa o processo, identifica lacunas, considera que não existem indícios suficientes e manda-o para casa com apresentações semanais. Pouco tempo depois, o indivíduo volta a ser detido. Será que o ciclo recomeça? Para já, a única certeza é que tem direito a refeição quente antes de regressar à rua.
Enfim, a metáfora familiar é inevitável para analisar este caso, pois mais parece o quotidiano de uma casa onde um castiga e o outro acha exagerado e ‘iliba’. E todos sabemos quem tira proveito dessa descoordenação, a ‘criança’, neste caso o prevaricador, que rapidamente aprende a viver entre as brechas de quem deveria atuar de forma coordenada.
E tudo isto enquanto se gastam recursos, horas de trabalho, meios públicos e paciência de quem espera por uma Justiça que funcione. A Justiça, atenção, não tem de ser perfeita, mas tem de, pelo menos, dar sinais de que fala a uma só voz.
O que se viu neste caso alimenta a perceção, perigosa e obviamente injusta, de que o crime pode não ter penalização, desde que se saiba esperar pela próxima contradição do sistema. Pouco importa perceber as razões para o efeito. Nada justifica esta desconcertante relação de forças que deveriam trabalhar em conjunto.
Falta articulação. Falta clareza. Falta responsabilidade partilhada. E, sobretudo, falta a noção de que a Justiça não pode comportar-se como um casal em crise, onde cada decisão é tomada unilateralmente, fragilizando aquilo que deveria ser sólido, transparente e previsível.
Até lá, continuaremos a assistir a este vaivém institucional que nada resolve, não protege e apenas reforça a sensação de que, afinal, quem menos se entende é quem mais precisava de se entender, sobretudo quando em causa está a segurança da população.