A população de Istambul está hoje a votar com tranquilidade na segunda volta das presidenciais, mas o dia cinzento e ventoso parece refletir apreensão com um escrutínio que irá determinar o rumo próximo da Turquia.
Na escola primária Guslen Mustapha Muzur, no tradicional bairro de Sisli, dois casais conversam no pátio após terem votado. Incluem-se entre os 64 milhões de eleitores que, duas semanas após a inconclusiva primeira volta, regressam às assembleias de voto.
Os quatro dizem ter votado em 14 de maio pelo candidato da oposição, Kemal Kiliçdaroglu, mas admitem que o Presidente, Recep Tayyip Erdogan, garanta a sua terceira eleição, após a surpresa eleitoral da primeira volta.
"Uma vitória de Erdogan não trará nada de novo, apenas se pode esperar pior, sobretudo na situação da economia", diz Ozgun, 46 anos, que trabalha na área do direito autoral. "É possível que Erdogan vença na segunda volta, mas queremos uma vitória de Kemal Kiliçdaroglu".
O seu amigo Ozgur, 45 anos, manifesta algum desalento. "Ficámos muito surpreendidos por Kiliçdaroglu não ter vencido a primeira volta com mais de 50% dos votos, que evitaria esta nova eleição. Quase todas as sondagens previam a sua vitória e os resultados foram um choque".
Gemile, 42 anos, revela apreensão. "Também já pensei que na primeira volta estava sol e agora o céu está cinzento. Oxalá que não seja um mau sinal".
Na primeira volta das presidenciais, o Presidente turco garantiu 49,5% dos votos expressos (muito perto dos 50% mais um que evitaria esta segunda eleição), face aos 44,9% do líder opositor, que não deixou de contestar os resultados oficiais.
Na escadaria que dá acesso ao interior da escola está Mustapha, 30 anos, engenheiro, o representante do Partido da Justiça e do Desenvolvimento (AKP) de Erdogan e um dos responsáveis pelo controlo da votação na escola.
"A participação até agora é menor do que na primeira volta, mas até às 17:00 [quando encerram das urnas] ainda terão tempo para votar e sem pressa. Mas não deve ser extrapolado para toda a Turquia".
Mustapha está cauteloso e não arrisca uma antecipação do resultado final.
"Trabalhámos muito e seguimos os resultados com cuidado. Quando as urnas de voto forem abertas perceberemos a vontade do povo turco. Pela estabilidade, unidade e uma maior projeção e estatuto para a Turquia nas relações internacionais. Foi por isso que trabalhámos muito para que Erdogan vença as eleições. E oxalá vença as eleições".
Sentada num banco do pátio, acompanhada por duas amigas, Neslihan, uma arquiteta de 29 anos, prepara-se para tomar a refeição que trouxe de casa. Pretende ficar na escola até que sejam anunciados os primeiros resultados.
"Esperamos que Kiliçdaroglu vença. Fizemos um grande esforço nesta segunda volta para que aconteça. Espero que a mudança seja positiva. Vamos lutar para que a situação no país não piore", almeja.
Refere-se ainda à questão dos cerca de 3,5 milhões de refugiados sírios que se instalaram na Turquia desde 2011, um dos temas decisivos na campanha da segunda volta e que motivou agrestes trocas de acusações entre os dois candidatos.
"Somos jovens, e queremos que os refugiados, sobretudo os sírios, regressem ao seu país. A maioria dos votantes de Erdogan também pretende que regressem. Esperamos que a maioria das pessoas que pretendem o regresso dos refugidos votem por Kiliçdaroglu".
A votação da primeira volta, muito disputada, motivou denúncias de irregularidades, em particular por parte do Partido Republicano do Povo (CHP), a principal força de oposição e liderado por Kiliçdaroglu.
As principais formações voltaram a acionar os meios de que dispõem para garantir um controlo efetivo da votação, uma tarefa complexa face às 190.000 assembleias de voto abertas em todo o país.
"Pretendemos estar presentes em pelo menos 57.000 centros de votação, com a participação de mais de 200.000 voluntários. É impossível estarmos presentes em todas as mesas, sobretudo nas zonas do litoral do mar Negro e no leste e sudeste do país", diz à Lusa Esra Akal, que coordena a associação "Voluntários turcos", mas que funciona numa sede do CHP em Istambul.
A sua tarefa consiste em fotografar e depois digitalizar os resultados finais dos centros de votação, e de seguida enviá-los para os colaboradores que se encontra na Comissão eleitoral central, que comparam os números.
As autoridades turcas não colocam entraves a este controlo movido pelos "Voluntários turcos", na prática são controlados pela principal força da oposição.
O mesmo não sucedeu com o movimento de voluntários civis Vote and Beyond (Oy ve Ötesi), vocacionado para a promoção da democracia participativa, mas proibido durante esta semana pelo ministério do Interior de exercer qualquer atividade na segunda votação, com os seus responsáveis a evitarem declarações públicas pelos receios de intervenções policiais, e judiciais.
Lusa