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Artigo de Opinião

Bispo Emérito do Funchal

19/03/2023 06:00

A leitura da Carta aos Hebreus, livro do Novo Testamento, foi escrito para os judeus convertidos, principalmente os sacerdotes, que deixando o serviço do culto antigo do santuário de Jerusalém, sentiam-se tristes pela simplicidade do novo culto, celebrado nas casas particulares, devido estarem muito ligados à supremacia de Moisés.

O autor deste livro, é um escritor admirável, um grande teólogo, culto e pedagogo que, após muitos estudos desconhecemos o seu nome, embora durante algum tempo se julgasse ser São Paulo, de facto o pensamento e as ideias são de Paulo, mas o grego é de uma pureza, elegância e estilo diverso do apóstolo. Toda a carta é uma exaltação do sacerdócio e mediação de Jesus Cristo. O Senhor é o Sumo Sacerdote, o santificador, a imagem de Deus é igual à de Jesus, tomou a nossa natureza inferior e pecadora e com a sua morte destruiu o império da morte, oferecendo-se como vítima de expiação com o seu sangue, tornando-se assim causa de salvação para todos nós que somos pecadores, uns arrependidos e outros que se julgam não precisar dele.

No capítulo 11, a Carta mostra-nos os modelos da fé do Antigo Testamento, Noé, Abraão, Sara, Isaque, Jacob, Moisés e até Raab, a prostituta de Jericó, "por ter acolhido com paz os espiões!", e se tornou com a hospitalidade imagem da Igreja acolhedora e materna.

Já há tempos pensara escrever modelos de fé de meus professores que no Seminário formaram padres para a diocese e, até, muitos outros que em Roma e Jerusalém foram modelos de Jesus Bom Pastor.

Hoje apresento Monsenhor Manuel Francisco Camacho, o fruto mais amadurecido do Curral das Freiras, rico de inteligência arguta, simplicidade, mortificação e ao mesmo tempo visionário, inimigo temido da maçonaria e falsos amigos da diocese, combatendo-os segundo o evangelho "com a simplicidade das pombas e a prudência das serpentes".

Nasceu no Curral das Freiras a 2 de abril de 1877 e adormeceu na paz de Deus no Funchal a 14 de dezembro de 1970 com 93 anos de idade. Narra uma legenda que na rústica e escondida paróquia do Curral das Freiras, dentro de um vulcão extinto, o Francisco era grande observador e curioso. Jovem, ao subir pela estreita e áspera estradinha das "Voltas", descobriu ao longe o mar imenso, admirou-se de ver tanta água, e diz ao seu familiar acompanhante: "gostaria de ver a bucha daquele grande poço". Na realidade, veria não uma bucha, mas uma terra pobre, sem estradas nem iluminação e, na cidade com luz, a cegueira de uma política que fechara e roubara os conventos, o seminário, odiava e difamava um grande bispo, ao qual atribuía misérias e enganos e, pior do que tudo trazia jesuítas a fazer retiro aos padres e um reitor para o Seminário vindo da Alemanha.

Ordenado padre, quando já era capelão da Sé, a 2 de outubro de 1912, ou seja, a 111 anos, foi pároco de diversas paróquias, cura de Santa Maria Maior, pároco de São Jorge, Ponta do Sol, capitular da Sé, Vigário Geral e Juiz do Tribunal Eclesiástico. Com a lei da Separação entre Estado e Igreja, quando a má política se apropriou dos bens da Igreja e abandonou os seus pobres, o Cónego Camacho foi um homem de extraordinária prudência aliada a uma grande firmeza. Foi também nomeado Reitor da Igreja de São João Evangelista.

Durante vários anos foi professor de Teologia Moral, Dogmática, Pastoral e Ascética no Seminário do Funchal, ano de 1937 foi professor de Moral no Liceu do Funchal, Assistente Eclesiástico da Juventude Católica. Colaborou na imprensa católica do Funchal com diversos trabalhos literários no Boletim Eclesiástico do Funchal, fundado pelo Bispo António Pereira Ribeiro, o Cónego Camacho foi diretor e editor desde 1912 a 1 de junho de 1918. No campo da caridade e solidariedade social teve uma ação notável na Santa Casa da Misericórdia do Funchal. Foi devido ao seu esforço e espírito de sacrifício que se transferiu o Hospital da Avenida Arriaga para os Marmeleiros, dotando o hospital com novos serviços. Foi também tesoureiro da Comissão Distrital e Assistência desde a sua fundação em 1947.

No campo da cultura, prestou muitos bons serviços ao Museu Diocesano de Arte Sacra, juntamente com a ajuda do Engenheiro Luiz Peter Clode, serviço que continuou depois, no meu tempo de episcopado, pela sua filha Dona Luiza Clode.

Apesar dos tempos difíceis que passou, Monsenhor Manuel Francisco Camacho conseguiu sempre boas relações entre a Igreja e o poder civil, qualidades necessárias para viver numa sociedade humana e fraterna.

Mons. Camacho foi meu professor de Moral, num tempo em que as forças começam a diminuir. Ensinava-nos uma moral muito prática, mais evangélica do que a dos manuais. A sua experiência de uma longa vida tornava-o muito humano. Ensinou-nos um caso prático. Se tiveres um amigo, e este vier pedir-te para lhe emprestares

uma soma de dinheiro, pode ele não querer ou não poder pagar, e perdes o dinheiro e um amigo. Diz-lhe: Caro amigo vou dar-te metade dessa quantia, vai pedir a um outro o resto. Assim não perdes o amigo e só metade do dinheiro!

Em 1926 acompanhou uma peregrinação à Terra Santa, conforto para tantos trabalhos e amor por Jerusalém, que ouvia os outros professores do Seminário falar durante as refeições. Como jovem seminarista, admirava e aprendia a ser sacrificado, ao ver que os cónegos que viviam no Seminário se deslocavam a pé, descendo e subindo os íngremes degraus da estrada da Encarnação, duas vezes por dia, de manhã e de tarde, para rezarem na Catedral o Ofício Divino.

Para uma figura tão rica, modelo de fé e de trabalhos múltiplos na Madeira, ainda não se erigiu uma memória para recordar aos cristãos atuais um lutador incansável do povo e Reino de Deus. Os bons cristãos do Curral das Freiras, não esquecem este seu filho gigante, mas deviam mostrá-lo, por meio de uma estátua, ou outro memorial, aos numerosos visitantes que, todos os dias, se deslocam a visitar essa paisagem magnífica que o Senhor Cónego Camacho dizia ser uma das mais belas do mundo.

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