MADEIRA Meteorologia

Artigo de Opinião

DO FIM AO INFINITO

10/03/2023 08:00

Eu podia escrever sobre a guerra na Ucrânia, a pedofilia na Igreja, a cena da TAP e as alterações climáticas, ou, se quisesse ser mais caseiro, podia escrever sobre o Governo Regional, o Marítimo, os interesses económicos cá da terra e as jaulas de aquacultura. Podia gastar todo o meu latim na abordagem dos temas inquietantes e fraturantes e apocalípticos que marcam a atualidade da região, do país e do mundo, naturalmente a bem do mundo, do país e da região - pois claro.

Sim, eu podia desdobrar e explanar as minhas opiniões sobre cada um desses temas até ao infinito, criando ainda mais inquietação, mais fratura, mais apocalipse na cabeça dos leitores e despertando ódio, revolta e desejo de vingança no coração dos visados, comigo depois a responder que estava apenas a exercer o direito de liberdade de expressão - coitado de mim - e a contra-atacar, com base no mesmo direito, acusando-os de serem exatamente aquilo que eu dizia que eram e assim sucessivamente, com o propósito de abrir novos horizontes e elucidar os incautos acerca dos venenos que pairam sobre nós e seus respetivos antídotos.

Eu podia espalhar brasas e disparar em todas as direções nas redes sociais todos os dias de manhã à noite sem descanso e até podia aparecer uma vez por semana na televisão a falar destas coisas - fascismo para lá, pedofilia para cá, corrupção para cima, hipocrisia para baixo, ratice para um lado, fanatismo para outro, máfia para dentro, negócios para fora, mais isto e aquilo e a puta que o pariu também - assim em bicos de pés, bem arranjadinho na tv, o comentador Duarte Caires muito bem fundamentado a dar o corpo ao manifesto e a alma às balas, sim senhor.

Eu a dizer, muito convicto:

- Esta é a minha opinião doa a quem doer.

Para mais logo dar o dito por não dito, desdizer, contradizer, redizer, pôr a mão no peito e estremecer:

- Eu disse isso?! Eu?! Eeeeuuuu?! Deves tar tonto, deves…

Assim mesmo, sem medo, estimulando também o aparecimento de um acérrimo grupo de apoiantes - é sempre bom ter apoiantes e se forem cegos tanto melhor - a dizer coisas como:

- Muito bem! Falou e disse! Força Caires! És o maior!

Mas não, eu não sou assim.

Eu vejo os outros, e sobretudo as instituições que lhes dão guarida, como as naves espaciais dos filmes de ficção científica que possuem um escudo invisível, contra o qual posso descarregar todo o meu arsenal, incluindo o nuclear, sem causar qualquer dano. Pelo contrário, sempre que a nave reage provoca uma destruição massiva. Por outras palavras, numa guerra deste calibre quem se lixa sou eu.

Tal como nos filmes, uma máquina desta envergadura só se destrói a partir do interior e se há coisa que eu evito como o Diabo evita a cruz é entrar ali.

Sei que sou uma marioneta - em última análise e em plena consciência todos somos marionetas - pelo que cortar o fio que me move significa perder a capacidade de ação, é uma espécie de automutilação, a menos que o ate logo a seguir noutra ponta qualquer. Se o fizer, sobretudo se o fizer antes de eventos traumáticos, fico com a bela, agradável e profundamente libertadora sensação de ter mudado de vida. Depois é uma questão de tempo até perceber que, afinal, continuo a ser uma marioneta, embora preso noutro canto da engrenagem, como uma estrela que tivesse mudado de posição no firmamento - ao longe, à vista desarmada, ela cintila da mesma forma e ninguém nota a diferença.

Seja como for, é melhor brilhar fora de sítio do que ficar para sempre caído e apagado no chão. Por isso, dou-vos a minha solidão, deixo-vos o meu poema.

A chuva cai e o prédio em frente escurece, o ruído dos carros soa agora como um cântico à tristeza e a dança das palmeiras ao vento evoca o meu passado - é a única coisa que me pertence por inteiro e cuja glória reside no facto de eu continuar aqui, vivo, pensante, sentimental, altamente biológico, perdidamente espiritual. Depois vem o sol e o sol seca a roupa na varanda e projeta a minha sombra no futuro, aqui onde estou, aqui como sou…

OPINIÃO EM DESTAQUE

88.8 RJM Rádio Jornal da Madeira RÁDIO 88.8 RJM MADEIRA

Ligue-se às Redes RJM 88.8FM

Emissão Online

Em direto

Ouvir Agora
INQUÉRITO / SONDAGEM

Concorda com a mudança regular da hora duas vezes por ano?

Enviar Resultados
RJM PODCASTS

Mais Lidas

Últimas