MADEIRA Meteorologia

Artigo de Opinião

8/06/2022 08:00

Hoje cruzei-me com um Datsun 1200. Sim, esse mesmo. Foi um momento especial, um misto de nostalgia e de belas recordações da minha infância.

Até às décadas de 70 e 80 do século passado, as estradas regionais, eram definidas na paisagem, que percorrem na ilha, como uma longa linha no meio do verde da vegetação - pontilhado pelo branco, o ocre e outras cores dadas à cal das casas tradicionais e delineada pelo azul anil do mar - e, construídas em rendas de paralelepípedos de basalto como os pontos garanito de um bordado Madeira. Desde a sua primitiva construção, como numa espécie de serzir o rendilhado ilhéu e unir na sua costura as várias "ilhas" da Ilha... Percorrer cada quilómetro deste tapete de rocha ígnea, filha do ventre atlântico vulcânico, era uma verdadeira luta, na resistência da mecânica dos automóveis de então, e na destreza dos condutores, que agora à distância do tempo e da Via Litoral e Expresso, parece ter caído no esquecimento...

Recordo esse tempo, preso no âmbar da minha memória de infância - admito, com alguma saudade - quando, com os meus queridos pais, realizava no Datsun 1200 de cor vermelha e risca preta lateral - com o tejadilho coberto de uma espécie de pergamóide preto mate - a viagem da minha Ponta do Sol natal até à cidade do Funchal. Cada quilómetro nessa época, devia ter mais uns bons metros a superar, quase intermináveis, em especial no calor do verão e o fumo dos automóveis, na mesma direcção, em esforço à nossa frente, ou sob chuva intensa no inverno escorregadio, ou pelo cheiro a erva molhada das bermas e o suor basáltico após alguma das primeiras chuvas de setembro...

Surgem na minha mente, imagens em catadupa, numa espécie de entrada numa cabine de photomaton, mas na minha ilha. As cores, os cheiros, os sons dessas viagens embrulhadas em conversas e numa amálgama de sensações, tendo como banda sonora o "zás-zás-zás", do recorte dos cubos brancos sobre o muro que delimitava a antiga estrada regional ER101- que da janela do Datsun, permitiam ver a paisagem madeirense, como cada frame de um filme que vira no "Cinema Mar e Sol".

O resiliente nipónico Datsun 1200 do meu pai, nascido como eu, no concelho do sol poente, calcorreava com bravura, embalados pela melodia do seu motor nascido nas ilhas distantes do sol nascente e, ouvindo, sintonizados no velho rádio Pioneer, a voz do Rogério Abreu da RDP desde a rua dos netos e à medida que nos aproximávamos da primeira cidade, ecoava o Posto Emissor do Funchal...

No regresso ao fim da tarde, após compras maternas nas lojas da cidade de Zarco e dos assuntos paternos, o Datsun 1200 parecia maior, mais fresco e acolhedor. Uma espécie de carapaça que nos protegia das agruras da cidade grande, como os lendários Samurai.

O regresso pelo rendilhado da estrada, a subir o Estreito de Câmara de Lobos, embalado pela melodia das mudanças de caixa, nas mudanças de velocidade... Com os olhos a brilhar, aguardava numa ânsia, a paragem, para um delicioso jantar num dos afamados restaurantes de milho frito, carne regional para espetada e bolo do caco com manteiga de alho.

Sobremesa? Era servida, claro! Saboreando a viagem de regresso, curva após curva, até à Ponta do Sol durante um par de horas... Quase no Japão!

Arigato caro Datsun, pela oportunidade de recordar!

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