K2
João Paulo Freitas deixou a Madeira no dia 29 de junho, rumo à segunda montanha mais alta do mundo – o K2, ultrapassada apenas pelo Monte Everest. Ainda não regressou a casa, mas conta pormenores desta experiência recheada de peripécias.
Bruna.nobrega@jm-madeira.pt
João Paulo Freitas é guia cultural e nunca nega uma boa aventura. A mais recente está ainda a acontecer, no Paquistão. Rumo à base do K2, a segunda montanha mais alta do mundo, o madeirense pôs a mochila às costas e a mais de sete mil quilómetros de casa, tem vivido, desde dia 29 de junho, uma experiência única sob condições meteorológicas difíceis, contactando diretamente com as gentes e costumes deste país da Ásia Meridional.
O convite para embarcar neste desafio surgiu através de um amigo dos Estados Unidos, Chris Lininger, líder de expedições em vários países da Ásia. “São oportunidades que surgem uma vez na vida e não poderia recusar”, constatou João Paulo Freitas, de 37 anos, natural da Camacha, que não faltou à última chamada deste voo e aventurou-se nesta viagem.
Pisar solo paquistanês é que não foi assim tão fácil. Entre vários cancelamentos, obstáculos e situações difíceis e caricatas, o madeirense lá conseguiu aterrar no Aeroporto de Islamabad- capital do Paquistão - no dia 29 de junho. Chegou sozinho, mas à sua espera estavam amigos de outras nacionalidades que também iriam fazer parte da expedição ao K2. Neste grupo, seguia outro madeirense, Higino Andrade, que atualmente está a viver em Berlim e decidiu se juntar à malta, incentivado por João Paulo Freitas.
Após reunida em Islamabad, a comitiva apanhou o avião e partiu rumo ao Norte do país, mais concretamente para a cidade de Skardu, de onde partem todas as expedições ao K2, oriundas do lado paquistanês. Por lá, permaneceram alguns dias, até voltarem à estrada. Ao longo de cerca de seis horas, percorreram estradas rudimentares a bordo de um jipe que os levou ao tão ansiado início do percurso até à base do K2.
13 dias sob condições extremas
A 2.800 metros de altitude, em Jhula, primeiro acampamento das expedições K2, começava a aventura da comitiva, constituída por cerca de 55 pessoas [12 indivíduos mais os líderes, três guias e 40 ‘porters’ (pessoas responsáveis por levar mantimentos suficientes para a duração da caminha)].
A partir daí, seguiram-se 13 dias, ida e volta, de uma caminhada desafiadora sob condições extremas, muito calor e frio, um terreno muito exigente e ainda com o agravante de ter de lidar com a possível doença de altitude [ocorre por falta de oxigénio a grandes altitudes]. Passaram pelo Glaciar de Baltoro [conhecido por ser um dos glaciares mais largos do mundo] até Concordia, último esforço antes de chegar ao acampamento base do K2, localizado a 5.100 metros de altitude. Mas até lá, a jornada foi penosa.
Apesar de reconhecer que o clima varia de região para região, o camachense menciona que o Paquistão apresenta um tempo tendencialmente árido, quente e muito desafiador para um madeirense habituado a um clima ameno. Relata, inclusive, que quando chegou a Islamabad não conseguia estar mais do que cinco minutos na rua, tanto que era o calor.
Neste árduo percurso, João Paulo Freitas fez também questão de destacar o papel dos 40 ‘porters’ que fizeram parte desta expedição. “São uns autênticos heróis. Carregam 35 ou mais quilos às costas. É o povo que vive nas montanhas e que torna possível as incursões de forasteiros. (…) levam fogões, comida, mesas, cadeiras e tudo o mais para as expedições. Foi uma enorme honra estar em contacto com esse povo”, salientou.
Oito litros de água por dia
Altas temperaturas requerem truques e muita hidratação, ainda para mais em percursos pedestres exigentes. Além de todo o equipamento considerado indispensável para esta expedição, João Paulo Freitas conta que usava uma garrafa para filtrar e purificar a água que ia encontrando, ora nos glaciares, ora em riachos.
Chegava a beber cerca de 8 litros de água por dia e sempre que podia molhava a t-shirt e o boné para aguentar até à seguinte oportunidade de voltar a encontrar água. “É um desafio enorme fazer uma caminhada deste género debaixo de um sol colossal e em grande altitude, mas o objetivo é sobreviver”, assinala.
Ziguezagueando pelos caminhos montanhosos, andou sempre acima dos 3000 metros de altitude e quase 10.000 de elevação. Chegou a dormir em tendas preparadas para temperaturas negativas, mas, na maioria das vezes, a comitiva pernoitava em albergues e casas locais que, conforme relevou João Paulo Freitas, têm “uma cultura muito hospitaleira e recebem as pessoas como se de verdadeiros príncipes e princeses se tratassem”.
De quando em vez parava, cativado pela beleza autêntica das rochas e glaciares. Os cenários de cortar a respiração eram frequentes como, aliás, é possível contemplar em algumas das fotos que ilustram esta página.
Visitou aldeias remotas e outros lugares esquecidos no mundo, tentando interagir com o povo local e perceber as dinâmicas sociais de cada lugar. Na memória foi guardado cada história e ensinamento nesta aventura de aprovação mental, física e espiritual.
“Não senti choque cultural”
“O Paquistão é um vasto território e a realidade varia muito de região para região”, conta o guia cultural, constatando que existem tribos e grupos étnicos com distintas peculiaridades. Não deixa, no entanto, de reconhecer que é uma terra “onde vive um povo amável, sempre disposto a ajudar e curioso em relação aos visitantes”.
“Não senti choque cultural”, assegura, descrevendo os paquistaneses como um povo simples, culturalmente rico, religioso, crente, obstinado, versátil e com grande pureza na alma. Pessoas que carregam valores e sentido de comunidade que, “infelizmente, se perderam muito no Ocidente”.
As línguas e dialetos são outras das coisas que também variam muito no Paquistão, sendo que o Urdu é a língua mais comum. O inglês, ainda devido à anterior presença britânica no território, é também bastante falado pelos paquistaneses. Partilhando com o Jornal um pouco daquilo que aprendeu, refere que “Inshallah” é talvez a palavra mais utilizada pela população local e que quer dizer "Deus queira”. Descobriu também que ‘Paquistão’ significa “Terra da Paz”.
Cerca de um mês e alguns dias depois de ter aterrado no Paquistão, João Paulo Freitas tem o regresso marcado para fim desta semana. Aproveitará agora para descansar e preparar o regresso à pérola do Atlântico.
Por Bruna Nóbrega