Igreja em depressão

Quase cinco mil crianças foram vítimas de abusos sexuais na Igreja Católica em Portugal. Violentadas em seminários, colégios internos, confessionários, sacristias e até em casas dos padres das paróquias. Um escândalo! Que deve merecer a atenção e repúdio de todos, especialmente de quem ocupa cargos de responsabilidade nas dioceses de todo o País. Mas não é isso que tem acontecido…

Depois de ter dado força à investigação de uma Comissão Independente, a cúpula católica nacional demonstra dificuldade para agir em conformidade com a gravidade dos crimes denunciados. Aliás, em alguns casos, não só não agem como encontram forma de relativizar e desculpar o indesculpável.

Em Beja, por exemplo, o bispo local entendeu colocar os padres abusadores no mesmo patamar de quem solta um palavrão quando não devia. “Todos somos pecadores, todos somos limitados, todos temos falhas. Na Igreja existe o perdão, que é o novo nascimento”, referiu. Esperemos que nasça longe de espaços infantis para evitar cair na mesma tentação.

Em Santarém, o bispo está mais adiantado e já perdoou o crime do padre António Júlio Santos, que continuará a professar a palavra de Deus depois de ter sido condenado por atos sexuais cometidos contra duas meninas, de 11 e 12 anos! “Estava deprimido e fez o que não devia. Não é um pedófilo compulsivo”, explicou. O problema, portanto, foi a depressão… Pena que o perdão não ‘cure’ o corpo e mente das crianças.

A Igreja, que não quer nem pensar em indemnizar as vítimas, parece mais preocupada em atenuar as conclusões do relatório da Comissão e arquivar o maior número de processos possível. É verdade que se prontificaram em oferecer apoio psicológico às vítimas. Esquecem-se aqueles que agora se chegaram à frente com o firme propósito de responsabilizar quem os violentou. E o perdão, a acontecer, devia ser um direito das vítimas. Porque se a Igreja não se responsabiliza pelos crimes, muito menos direito tem – pelo menos não devia ter – de perdoar os criminosos.

Não há dúvidas de que o explosivo relatório coloca em causa toda a estrutura da Igreja portuguesa. Exigem-se ações imediatas. É urgente apurar a verdade e afastar quem cometeu um dos mais vis crimes, quando decidiu, reiteradamente, abusar de crianças. E não. Não estamos a falar de um simples pecado, de um mero engano, ao contrário do que alguns altos responsáveis diocesanos tentam evocar.

Por cá, a Diocese do Funchal garante que a lista de padres suspeitos que recebeu não inclui nenhum pároco no ativo. Não deixa, porém, de ser lamentável que se indigne com a atenção que a comunicação social tem dado ao assunto, como ocorreu durante o último contacto do JM.

Para que fique claro, importa dizer que não estamos fartos deste assunto. Nem poderíamos estar. Porque embora diga que os párocos não estão no ativo, continuam protegidos pelo anonimato.

E o que significa a “tolerância zero” já comunicada publicamente? Será que foram já discutidas formas para evitar que novos crimes hediondos ocorram e continuem impunes? Ou será que só aqueles que se entregam à Justiça, como o ex-padre Anastácio, é que são penalizados?

Em suma, é bom que a Diocese do Funchal não se farte do tema, pois é a única forma de construir um presente diferente e um futuro melhor.