Na verdade, é uma forma de nos sentirmos felizes.
Mas isso faz-se aos cães e a alguns gatos mais dóceis.
Não se faz às pessoas. Nem sequer às nossas pessoas.
Muito menos se faz às pessoas dos outros. Às desprotegidas. Às mais carenciadas. Às pobres. Isso não. Não se faz. Ou não se deve fazer.
Não se deve, mas é o que se vê dia sim, dia sim senhor. Talvez tenha sido sempre assim, mas o fenómeno de acoitar pessoas ganhou seguidores com as redes sociais e as selfies.
Hoje, quase não há político que resista a uma pose paternalista, ou maternalista, sobre o pobre, o triste, o desprotegido, o coitado.
E então é vê-los, a alguns políticos de todas as cores e credos, a estender essa mão paternalista. Em casos mais aprimorados, e sobretudo em tempo de campanha eleitoral - como vamos ver nos próximos meses - há mesmo os que fazem descer a mão da cabeça quase até ao fundo das costas dos eleitores.
Os mais atrevidos fazem até um miminho na orelha e no pescoço e deixam a mão pousada sobre o ombro da vítima - sim da vítima! - durante largos segundos até se certificarem que o fotógrafo pessoal, e outros fotógrafos improvisados, tirem resmas de imagens apanhando essa mão protetora e o sorriso brilhante, quase genuíno, do protetor.
Normalmente, debaixo dessa mão está uma cabeça pesada, um pescoço tenso, um ombro descaído.
Amiúde, está também um ar carrancudo e um olhar triste dos que não perderam a dignidade e percebem que estão a ser usados para a fotografia, para o cartaz e as redes sociais, só porque estão vulneráveis. Só porque precisam de ajuda, de uns sacos de cimento, de uma cama articulada, de qualquer coisa que devia ser entregue discretamente e a troco de nada.
Mas não é. Antes, é publicitada e mediatizada até à exaustão.
Esta falta de pudor existe entre nós. Sobretudo entre alguns políticos e essencialmente em épocas de eleições.
É nesse momento que muitos deles descem ao povo.
Entram nas tascas, bebem cerveja com laranjada, vinho de caixa, poncha e até aguardente mata-ratos.
Nessa altura, vale tudo, marcha tudo. E o mesmo copo pode passar por uma dúzia de bocas sem ser lavado que até dá mais graça ao momento. E se tiver um corno para beber, então é o delírio dos políticos.
Mas voltemos ao terrível hábito de acoitar, esse gesto de passar a mão, de tocar, de fazer festinhas e quase chamar coitadinho ao coitado.
Senhores políticos, profissionais e amadores: não façam isso. Demonstrem afeto, carinho e tudo o que quiserem. Mas nunca se esqueçam do respeito e da dignidade do outro - e da vossa também.
Senhores políticos de todas as cores e ideologias, credos e simpatias: quando se sentirem tentados a estender a mão protetora e o sorriso amarelo sobre os coitados, lembrem-se do seguinte: e se fossem as vossas mãezinhas, os vossos paizinhos? Gostariam de os ver envolvidos nesse acoitar por parte de outros políticos?
Claro que não.
Então é simples: não façam aos outros o que não queriam que fosse feito aos vossos.
Façam festinhas aos cães e aos gatos, se puderem e eles deixarem.
Façam promessas a rodos, mesmo aquelas que sabem que não vão cumprir.
Façam campanha eleitoral.
Façam coisas com o povo.
Façam coisas para o povo.
Façam tudo isso.
Mas não façam festinhas às pessoas como se fossem de estimação.
E se, mesmo assim, ainda se sentirem com muita vontade de acoitar pessoas, então têm bom remédio: vão acoitar os vossos.