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Artigo de Opinião

3/04/2022 08:08

Exemplo 1: Num supermercado um determinado produto apresenta uma etiqueta com um preço de 2 euros. Na caixa, porém, o preço cobrado é de 2,5 euros. É especulação?

Exemplo 2: Num espaço de 2 meses, o mesmo produto, no mesmo local, aumenta 5 vezes de valor, com a subida devidamente indicada. É especulação?

Falar de especulação de preços é falar de um tema sempre complexo, quer a nível do sistema económico e das suas implicações, quer a nível da sua potencial capacidade de ofender os interesses dos consumidores. De facto, se a especulação económica é a alavanca que faz movimentar os mercados, gerando ganhos e perdas, é igualmente verdade que a especulação desenfreada pode trazer danos gravosos para a mesma economia. Já ao nível dos interesses dos consumidores a especulação normalmente traz prejuízos para a economia familiar.

A especulação está prevista no Decreto-lei n.º 28/84, de 20 de janeiro, o qual consagra as Infrações Antieconómicas e Contra a Saúde Pública, de onde se destacam, para além daquela, os crimes de fraude sobre mercadorias, de açambarcamento, de exportação ilícita de bens e da ofensa à reputação económica.

Incorre no crime de especulação quem adotar uma das condutas previstas no seu art. 35º, entre as quais vender bens ou prestar serviços por preços superiores aos permitidos pelos regimes legais a que os mesmos estejam submetidos; alterar, sob qualquer pretexto ou por qualquer meio e com intenção de obter lucro ilegítimo, os preços que do regular exercício da atividade resultariam para os bens ou serviços; vender bens ou prestar serviços por preço superior ao que conste de etiquetas, rótulos, letreiros ou listas elaboradas pela própria entidade vendedora ou prestadora do serviço.

Assim, em teoria, pratica o crime de especulação de preços quem desrespeite os preços subtraídos à livre disponibilidade dos operadores económicos porquanto se encontram legal, administrativamente ou gestionariamente fixados (ex: preços tabelados, preços etiquetados, etc). Pela mera leitura do diploma a resposta ao primeiro exemplo é relativamente fácil. Será especulação a cobrança de um produto por um valor superior àquele que vem inicialmente indicado, seja em preçário ou em etiqueta.

Mas também será comportamento especulativo quem desrespeite os preços que resultam do "regular exercício da atividade" comercial, com vista à obtenção de um lucro ilegítimo, ou seja, um lucro que sem a adulteração das regras de mercado não obteria.

Mas é na interpretação deste normativo que, como diz o adágio popular, "a porca torce o rabo". Desde logo é preciso perceber que o bem jurídico que se visa salvaguardar, direta ou indiretamente, com a incriminação da especulação, é a estabilidade dos preços no mercado, ainda que indiretamente proteja também os interesses dos consumidores. Por outro lado, o legislador não definiu em concreto o que é considerado especulação, optando antes por punir condutas lesivas dos interesses do sector económico e do seu regular funcionamento.

Como tal há problemas que esta opção levanta. Desde logo, o legislador não define o conceito de "lucro ilegítimo", ao contrário do que acontecia no anterior regime, que incriminava a prática de preços com margem líquida de lucro superior à uma percentagem definida (tal como sucedeu recentemente com o álcool-gel). Por outro lado, também não resulta do diploma o significado da expressão "regular exercício da atividade", sendo que tem sido interpretado como os preços que resultam ou devem resultar da aplicação e encontro da lei da oferta e da procura. Ou seja, estes são os preços que o mercado, em obediência à sã concorrência, deve ditar.

Posto isto, não tendo o legislador definido o que é especulação, fica-se a saber, somente, quais os comportamentos que considera como especulativos, ao nível dos preços, entendendo-se então que visou assim punir a ação do agente que procede à alteração dos preços dos bens com intenção de obter lucros exagerados e, por isso, ilegítimos.

Em suma, com exceção dos casos dos preços tabelados (o primeiro exemplo), entender como especulação uma subida de preços ficará sempre dependente da interpretação e leitura dos factos por quem, em primeira mão, tem a responsabilidade de fiscalizar mas, sobretudo, por quem tem a competência para decidir. Que nem sempre coincidem. E é por isso que a resposta ao segundo exemplo é "depende".

Mas, verdade seja dita, não é tarefa fácil concluir-se por uma prática especulativa pelo mero aumento do preço, porque os fatores que podem influir no "regular exercício da atividade" são imensos e, por vezes, dada a universalidade da economia global, inevitáveis. Porque tudo pode influenciar a alteração dos preços. Desde logo as condicionantes geográficas em rede com os problemas globais. É indiscutível que, por exemplo, a pandemia, o recente conflito militar na Ucrânia ou as diversas intempéries e as secas prolongadas em diversos países, têm tido impacto direto nos custos dos transportes, da energia e das matérias-primas, com efeitos visíveis no custo da atividade e no produto final.

Como tal, as autoridades competentes, por imperativos legais, não podem olhar para o aumento dos preços pelos olhos dos consumidores - que por regra são sempre prejudicados por qualquer subida de preços - mas sim para a análise de todos os fatores que influenciam o ajuste dos preços no regular exercício da atividade comercial. O que, para quem tem de gastar mais para satisfazer as suas necessidades, não será sempre compreendido.

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