MADEIRA Meteorologia

Artigo de Opinião

7/03/2021 08:00

Palavras que nunca pensamos usar na nossa vida e que quanto muito eram-nos jogadas em jornadas cinematográficas, por entre uma mão de pipocas. Mas a vida tem destas coisas e desde o ano passado que coronavírus, confinamento, zaragatoa, assintomático, cerco sanitário, mitigação, transmissão comunitária, imunidade de grupo, isolamento profilático, PCR, tornaram-se palavras comuns. O status quo levou-nos a uma espécie de "ciencialização" das nossas rotinas, por entre máscaras, álcool-gel e uma série de obrigações destinadas a impactar a transmissibilidade do vírus pelas pessoas. Se acolhemos as recomendações dos profissionais (a sério) da área, o muito tempo em casa deu para avivar achistas, tudistas, negacionistas, alarmistas e todos os demais istas que pelas redes sociais, pelas páginas dos jornais e pelas televisões deambulam, agarrados aos contorcionismos destas ‘novas’ palavras. Não é fácil, por isso, para o comum mortal que não é, de todo, estudioso da matéria, se consiga governar entre o pânico e a descrença.

Moda agora está em falar no Rt. E o que é este Rt? Eu procurei saber. E apesar das minhas enormes limitações nesta área (e daí quaisquer conclusões que tenha retirado poderão ser rebatidas por quem perceba disto) o que eu entendi foi o seguinte:

Desde logo que o "R" é um dos indicadores utilizados a nível internacional para perceber a capacidade de contágio de uma doença e subdivide-se em "R0" e "Rt". Que o valor de R0 mede o número de contágios que acontecem quando a doença anda "à solta" e sem qualquer limitação. Ou seja, qual a capacidade de propagação de um vírus sem qualquer medida para o impedir. É o vírus no seu estado livre e é calculado no início de uma epidemia. Já o valor de Rt é encontrado depois de aplicadas as medidas para conter a propagação da doença, quando o número médio de contactos que um doente infeccioso tem começa a diminuir. Este número, medido em função do tempo, deve ser calculado ao longo da epidemia e pode ser usado para medir a efetividade das medidas de contenção.

Ou seja, o índice de transmissibilidade (o tal factor "Rt") nada mais é do que um número indicador de quantas pessoas um determinado indivíduo pode infectar, dentro de um determinado período e dentro de algumas circunstâncias específicas. Isto aplica-se para qualquer doença infectocontagiosa, entre as quais a Covid-19. Na prática, se este valor for igual a 1 quer dizer que uma pessoa infectada vai dar origem a outro caso de infecção. Caso esteja acima de 1, o número de casos previsivelmente irá aumentar; se for inferior a 1, haverá uma diminuição das infecções. Porém tratam-se de previsões estatísticas que necessariamente têm de ser atualizadas regularmente e, preferencialmente, localmente (atendendo às diferentes medidas de contenção que são aplicadas, e o grau com que são aplicadas, nos diversos sítios).

Considerando que já tinha uma ideia melhor do que se tratava, fui então ler as notícias que, desde Fevereiro deste ano, dão a Madeira como o local com maior Rt no país, ou melhor, como a única região com o Rt acima de 1. Percebo então que a "culpa" é do Instituto Nacional de Saúde Doutor Ricardo Jorge (INSA), que tem feito uma análise semanal destes dados, com o último relatório a ser publicado na passada sexta-feira. Ora bem, o INSA conclui que o Rt do vírus SARS-CoV-2 está nos 0,71 em Portugal continental, representando uma tendência decrescente de casos de covid-19, com exceção dos Açores e da Madeira, que apresentam um valor acima de 1, sendo que o INSA adverte que o Rt de 1,15 estimado para a Madeira deve ser interpretado com "cautela, pois pode ser resultado de uma atualização da base de dados por introdução de casos ocorridos no passado".

Agora vamos à minha conclusão. O fator Rt é, como vimos, calculado com base no momento atual, ou seja, atendendo a um lugar específico e tendo em atenção todas as medidas para conter a propagação da doença. Como sabemos, é na Madeira que as medidas de contenção são menos penosas e onde ainda se permite um tipo de vida o mais perto do ‘normal’ possível. Ao contrário do território continental onde quase tudo está fechado e as pessoas metidas em casa, por cá o comércio está aberto (restaurantes, cafés, cabeleireiros, ginásios, etc), as escolas estão em funcionamento misto (presencial e tele-escola), os serviços funcionam, as rotas aéreas vão sendo estabelecidas, apenas com a limitação de circulação entre as 19h e às 5 horas da manhã (com mais uma hora ao fim-de-semana). Como tal, parece-me perfeitamente natural e lógico que o tal ‘Rt’ que a nossa região apresenta seja superior ao do resto do país, atendendo às profundas diferenças nas medidas em vigor, sem que tal seja, porém, motivo de alarme social. Para quem defendeu o modelo sueco não faz sentido que agora venha bater na Madeira. Por outro lado, também não é de ignorar que é incerto que números revelará o país quando começar a desconfinar a sério, o que ainda não aconteceu.

Num período em que não há, de todo, um manual de instruções sobre como ultrapassar este problema mundial e a crise subsequente, qualquer opção é legítima. Este é um caminho que foi optado por seguir na Região. É a tentativa de encontrar um equilíbrio entre a defesa da saúde pública e da economia regional, sem matar tudo de uma vez. De ultrapassar os diversos constrangimentos, por exemplo à atividade turística, que não dependem exclusivamente do que for feito cá. Mais à frente o tempo dirá de sua justiça.

Luís Miguel Rosa escreve
ao domingo, de 2 em 2 semanas

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