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Artigo de Opinião

31/01/2021 08:00

Nesta data, dou início a uma série de artigos sobre o estado da nossa democracia e do nosso sistema político, abordando também o recente processo eleitoral e, inevitavelmente, o fenómeno populista de extrema-direita que ameaça destruir o edifício democrático.

A citação que escolhi para mote deste artigo, para além do seu valor intrínseco, tem para mim uma importante carga simbólica: foi escrita por um homem de direita e retirei-a de um livro que me foi oferecido por um amigo de esquerda. Quero com isto transmitir que, tratando-se de combater os inimigos da democracia, as diferenças ideológicas não podem, nem devem, constituir obstáculos, para mais nestes tempos conturbados que incitam a escolher um lado, um bloco, uma trincheira. No meio das turbas iradas que se gritam mas não se ouvem, há uma desoladora terra-de-ninguém que aumenta a cada dia, um espaço que antes era ocupado pelo diálogo, pela moderação e pelo bom-senso. Este é o meu modesto contributo para convocar os meus concidadãos a reocupar essa plataforma central de partilha, negociação e consenso, pois é aí que se suportam os pilares da democracia e é aí que se preserva a liberdade.

O que não irei fazer, certamente, é diabolizar e guetificar aqueles que votaram em André Ventura. Não devemos infantilizá-los ao ponto de alegar que o fizeram exclusivamente por ignorância e desinformação, mas apodá-los de fascistas, racistas, machistas e homofóbicos só contribui para que se sintam perseguidos e injustiçados, tal como o "inditoso" candidato em quem escolheram votar. Assim, estaremos a forçar o seu sentimento de pertença ao Chega e o seu processo de identificação com Ventura, em vez de encetar esforços para que alterem o seu sentido de voto. Não nos iludamos: o Chega é, sem sombra para dúvidas, um partido populista de extrema-direita. Contudo, estou convicto que a maior parte do quase meio milhão de portugueses que votou Ventura para Presidente da República não é fascista nem racista, nem desejaria Ventura sequer para Presidente do Benfica. O que ali há é protesto, é revolta nascida da impotência e da sensação de abandono, é a percepção (parcialmente real, parcialmente imaginada) de uma corrupção e impunidade que perpassa pelas altas esferas do poder. Em vez de condenar esta escolha, por estapafúrdia e desprovida de lucidez e de sentido democrático que nos pareça, melhor faremos se começarmos, desde já, a formar e a informar. Quanto mais pessoas souberem o que realmente se esconde por detrás daquele senhor de barbas que diz "verdades inconvenientes contra o sistema", quanto mais pessoas descobrirem o monstro que estão a alimentar, menor será a adesão, começará aí a debandada. Por outro lado, André Ventura não é um orador brilhante, carece de consistência ideológica, não domina dossiers. Porém, o seu discurso e a sua prática política assentam numa estratégia na qual não cabem os factos nem o respeito pelo adversário. Defende-se através da vitimização, contra-ataca usando a grosseria, ataca com mentiras e ódio.

Neste cenário, como é que se faz a luta pela salvaguarda da democracia?

Encontrei pistas muito interessantes num texto da autoria de Steven Forti, professor associado de História Contemporânea na Universitat Autònoma de Barcelona e investigador do Instituto de História Contemporânea da Universidade Nova de Lisboa. Sugestivamente intitulado "Manual de Instruções para combater a Extrema-Direita", assenta em nove pontos, que apontam caminhos para evitar cair no abraço de urso dos extremismos, "[…] proteger o Estado de Direito e prevenir o estabelecimento de ditaduras não liberais, autoritárias. Uma democracia pode ser perdida muito rapidamente, mas pode levar anos ou mesmo décadas para recuperar."

É a esses nove pontos que irei dedicar o meu próximo artigo.

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