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Artigo de Opinião

10/12/2022 08:00

O país pára nos dias de jogo, para gáudio das cervejeiras e dos publicitários, enleiam-se cachecóis, enfiam-se barretes, maquilham-se os rostos de verde e vermelho e todos torcem pelo país efusivamente. Se houver uma vitória pomposa celebra-se em apoteose alucinada, em bramidos, buzinadelas e caravanas. Se calhar uma derrota ou uma vitória por uma unha, logo cede o patriotismo e aqueles onze heróis transformam-se em desditosos nabos, ensaiados por um treinador de mau calibre, na verve nacional especialista em todos os assuntos. Não obstante estas tropelias inflamadas, a verdade é que os portugueses são patriotas quando pressentem um qualquer desígnio nacional que os une e orgulha. O futebol, na sua democraticidade de compreensão e empolamento, revela esse sentimento de orgulho e devoção à pátria ou terra natal. A velha senhora cultivava a trindade do Deus, Pátria e Autoridade e aos portugueses, ainda que na maior das misérias e sofrimentos, ia-se-lhes entranhando o orgulho nacional, nem que fosse pelos feitos da epopeia marítima, com que à mingua de outras proezas se estimulava o embevecimento patriótico.

O conceito de patriotismo está intimamente ligado a uma noção de pertença, as mais das vezes de pendor proprietarista e um homem sem chão e sem domínio a que possa chamar verdadeiramente seu, dificilmente se colará a um sentimento de pertença. A devoção e o orgulho nacionais terão de passar pela afirmação de direitos, conforto e bem-estar, sob pena do patriotismo se transformar num envergonhado e malfadado estatuto. Muito se fala em diáspora e do orgulho com que os políticos enaltecem o sucesso dos seus compatriotas além-mar, que muitas divisas e oportunidades de negócio fazem aportar ao país. Mas esquecem-se de que essa dispersão de concidadãos foi uma consequência de políticas discriminatórias de gente relegada à pobreza ou ao infortúnio do trabalho mal pago, num país atrasado e atávico que não lhes criou oportunidades de sucesso. Gente que saudosamente não esquece o país, a sua cultura e os seus costumes, atirados para a imponderabilidade da conquista de lugares estranhos e culturas diversas, em busca da vida que a pátria lhes roubou.

Há dias lia uma senhora ministra a apelar à união nacional em torno da selecção e recordei-me que esta convocação exaltada só ocorre aos políticos em tempos de futebol ou de crise e salvação nacional da bancarrota, a pagar pelos mesmos de sempre. Os governantes deviam aproveitar as lições de patriotismo resultantes do futebol e implicar os portugueses noutros desígnios de orgulho nacional, sobretudo os que dizem respeito aos interesses directos da população e do país, em lugar de se enredarem em tropelias gulosas pela conquista ou manutenção do poder ou da satisfação mesquinha do interesse pessoal, ou de se aproveitarem miseravelmente das proezas do futebol, em fotos, abraços e encenações anedóticas coladas ao sucesso alheio, para o qual em nada contribuíram. Os portugueses são patriotas, mas não são tolos e precisam de outros objectivos que os unam e orgulhem.

Uma das facetas do orgulho nacional e da democracia plena seria cada português exaltar-se fervorosamente com os feitos da selecção, sabendo que tem emprego, casa onde viver e comida na mesa, o que para uma grande franja da população nacional é ainda uma vergonhosa miragem.

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