Foi sem surpresa que o Parlamento Europeu (PE) deu luz verde à Comissão Europeia (CE) para o mandato 2024-2029, com uns modestos, mas mais que suficientes, 370 votos favoráveis, a que se juntaram 282 votos contra e 36 abstenções. Trata-se de uma etapa que formaliza a entrada em plenas funções de Ursula von der Leyen como presidente da CE (pela segunda vez) e de toda a sua equipa – Colégio de Comissários, após audições públicas, com algumas polémicas à mistura por razões muito distintas, nomeadamente no que se refere aos nomes propostos por Espanha, Itália e sobretudo, pela Hungria, como, de resto, já vem sendo habitual.
Depois da votação em plenário no PE, o Conselho Europeu nomeou oficialmente a CE, cumprindo-se a existência de uma maioria qualificada, conforme previsto no artigo 17.º do TUE. Pelo meio, muitas etapas tiveram lugar, mas para o cidadão comum não deixa de ser estranho que só agora a CE entre em plenitude de funções, uma vez que o processo teve início entre 06 e 09 de junho, com as eleições europeias.
Independentemente da morosidade do processo, a equipa está finalmente constituída e Von der Leyen terá agora uma nova oportunidade de “fazer o que ainda não foi feito” (sem querer apropriar-me da propriedade intelectual alheia!). Mas isso por si só talvez não baste, e a Presidente da CE terá certamente que emendar algumas das estratégias por si delineadas no mandato anterior.
O que podemos esperar deste mandato é ainda uma incerteza, mas já todos percebemos que, sendo óbvia a necessidade de linhas de atuação robustas que terão certamente nos relatórios Letta e Draghi a sua grande fonte de inspiração, não podemos ignorar a imprevisibilidade do mundo complexo e disruptivo em que vivemos, onde (quase) tudo é possível e onde as certezas de hoje são cada vez mais efémeras. Basta olhar para o outro lado do Atlântico!
Em 2019, Von der Leyen era uma figura discreta e até desconhecida da generalidade dos europeus, apresentando-se com uma ideia “revolucionária”, onde o ambiente e todas as áreas conexas surgiam no centro do seu plano – o Pacto Ecológico Europeu, cuja grande meta colocaria a UE na vanguarda mundial em busca da neutralidade climática. Foi, segunda a própria, o “Europe’s man on the moon moment”.
Traída pela pandemia que ninguém poderia prever, ou pela invasão russa que, sejamos francos, ninguém pensava ser uma possibilidade concretizável, o certo é que a Comissão VdL teve de usar toda a sua criatividade e empenho na procura de soluções para os problemas: na pandemia com a compra conjunta de vacinas, na crise social e económica com o Mecanismo de Recuperação e Resiliência, o principal instrumento no âmbito do “NextGenerationEU” e na invasão russa, com um posicionamento ultra rápido e incondicional ao afirmar taxativamente o apoio da UE durante “o tempo que for necessário”.
Em suma, a Comissão VdL inicia o seu segundo mandato como terminou o primeiro: com uma guerra aqui bem perto das nossas fronteiras externas, num país que, corajosamente para uns, teimosamente para outros, insiste em recuperar todo o território que injusta e ilegalmente lhes foi retirado por Putin, o mesmo que recentemente apresentou um orçamento de estado consagrando 1/3 da despesa para a componente militar, evidenciando as suas intenções neste domínio. Mas há muitas diferenças no antes e depois, desde logo, porque à Ucrânia foi concedido o estatuto de país candidato à UE em junho de 2022.
A nível interno, as fragilidades europeias, decorrentes de opções estratégicas nem sempre acertadas (fruto também de algumas ingenuidades, eventualmente desculpáveis ao abrigo do ditado “estamos sempre a aprender”), sugerem a urgência da recuperação da economia, com particular foco na (re)industrialização, contudo tudo aponta para que outras questões, como a segurança e a defesa, sejam prioritárias neste mandato. Não consigo prever o futuro, mas ficaria muito triste se este fosse o novo “Europe’s man on the moon moment”.