Na semana que passou, ficámos a saber que A TAP tentou aplicar uma taxa extra de 30 € por percurso nas viagens entre o continente e a Madeira durante o Natal, elevando os preços aos já exorbitantes valores deste período, mas acabou por recuar após contestação do Governo Regional. A polémica pode ter passado, mas deixou o retrato do costume: um arquipélago que depende do ar para viver e um sistema que o mantém refém. Não é a TAP que falha, é o Estado que lhe dá espaço para o fazer.
Em 2008, Portugal decidiu abrir os céus da Madeira ao mercado livre. O Decreto-Lei n.º 66/2008 acabou com o velho regime de serviço público, em que a TAP reinava sozinha, tarifas fixadas e horários contados. A ideia parecia virtuosa: alinhar a Madeira com o espaço europeu comum, permitir concorrência, baixar preços e multiplicar voos. Quase vinte anos depois, o balanço é ambíguo. Os turistas multiplicaram-se, os aviões também, mas o madeirense continua a pagar caro por cada ida ao continente. E, pior ainda, continua a ter de adiantar o dinheiro ao Estado para exercer o direito elementar de mobilidade.
O modelo atual do Subsídio Social de Mobilidade é, em teoria, uma garantia de igualdade; na prática, é um obstáculo financeiro. O residente compra o bilhete pelo preço que o mercado dita (frequentemente entre 250 e 400 euros) e, só depois de viajar, é reembolsado pelo Estado. O resultado é que, para uma família de três pessoas, uma simples deslocação a Lisboa pode exigir mais de 1200 euros pagos à cabeça. Não é o valor líquido que afasta o madeirense, é a impossibilidade de adiantar o montante. Criou-se um subsídio que exclui quem mais precisa dele.
Paradoxalmente, o sistema serve também as companhias. Ao saberem que o passageiro é reembolsado, ajustam os algoritmos de preços para cima. O Estado gasta dezenas de milhões por ano a subsidiar bilhetes que poderiam custar menos sem subsídio algum. O mecanismo que devia nivelar o mercado acabou por distorcê-lo. E, entre a boa intenção e a má execução, a TAP e as low-cost encontraram um equilíbrio confortável: os turistas beneficiam da liberalização; os residentes pagam o preço da dependência.
Continuamos a tratar o problema com paliativos burocráticos. Muda-se o site, muda-se o formulário, muda-se até o ministro, mas ninguém toca na ferida. O sistema mudou de nome e de capa, mas não de lógica. E enquanto isso, o madeirense continua a ver o céu liberalizado e o bolso cativo.
É aqui que entra a proposta que muitos falam, mas ninguém executa. Uma reforma simples na forma, mas estrutural no impacto. O objetivo é manter a liberdade de voar, mas corrigir a desigualdade de pagar. O modelo assenta em duas colunas: PSO parcial e tarifa social imediata.
O primeiro elemento — o Serviço Público Parcial (PSO) — não é novidade no direito europeu. Várias ilhas mediterrânicas aplicam-no com sucesso. Em vez de reservar uma rota inteira a uma só companhia, o Estado define que em cada ligação existam X lugares ou Y frequências semanais com preço máximo regulado, destinados a residentes e estudantes. As companhias concorrem em mercado aberto para assegurar essa obrigação pública, recebendo compensação transparente e limitada. Nenhuma exclusividade, nenhuma violação da concorrência. Resultado: previsibilidade nos preços e proteção social sem distorcer o mercado.
A segunda coluna é a tarifa social imediata, o modelo espanhol das Canárias e Baleares. O residente paga apenas o valor líquido (por exemplo, 78 euros) e o Estado transfere automaticamente o restante para a companhia. Fim aos reembolsos demorados, às filas nos CTT e ao malabarismo financeiro de quem precisa de viajar. Esta solução é compatível com o Regulamento Europeu, não exige alterar o regime de liberalização e, melhor ainda, elimina o incentivo das companhias para inflacionar tarifas.
Um modelo híbrido, liberal nos céus, justo na terra. O madeirense voltaria a poder planear viagens sem recorrer ao cartão de crédito; o Estado continuaria a garantir coesão territorial; e o mercado manteria espaço para concorrência. Tudo isto com custos controlados e transparência europeia.
A Madeira precisa de um modelo que não a obrigue a escolher entre liberdade e equidade. Liberalizar não devia significar abandonar. O arquipélago foi um dos grandes beneficiários do turismo pós-2008, mas os seus residentes continuam reféns de um sistema que trata o bilhete de avião como um luxo temporário. A mobilidade não é privilégio, é infraestrutura social.
Chegou a hora de atualizar o sistema. Não se trata de voltar atrás, mas de ajustar o rumo. O novo modelo não pede monopólios nem exceções, apenas bom senso: permitir que quem vive numa ilha possa voar sem pedir licença ao saldo bancário. É tempo de trocar o reembolso tardio pela justiça imediata. Porque a insularidade é geográfica — não deve ser económica.