MADEIRA Meteorologia

Artigo de Opinião

30/05/2022 08:00

Os constrangimentos foram muitos e os incómodos excessivos, especialmente para os de cá. Este será, porventura, um dos muitos efeitos pós-covid, que lançou a Madeira a um novo público, mais jovem, mais móvel, mais aventureiro, que hoje vemos todos os dias pelas nossas ruas.

Mas se esta correria em massa aos principais ‘spots’ das nossas ilhas possa ser para nós uma novidade (exceto quando neva nas serras), destinos turísticos no mundo inteiro têm vindo a sofrer precisamente deste problema, mesmo com o hiato causado pela pandemia. É o chamado "overtourism".

Hoje é ainda muito comum vender o turismo como a última "coca-cola no deserto", como o remédio para todos os males. Chega-nos como produto de lazer, diversão e uma quase merecida ausência de responsabilidades, onde os sonhos acontecem. Se por um lado é, de facto, uma indústria que pode gerar muito rendimento, criar empregos, promover trocas multiculturais e provocar a reabilitação e a conservação do património, por outro lado, se desregrado, pode fazer degradar os destinos mais procurados.

Assim, "overtourism" é algo como turismo em excesso. Algo que a Organização Mundial do Turismo declarou como "o impacto do turismo num destino ou em partes dele que influencia, excessivamente e de maneira negativa, a percepção da qualidade de vida dos cidadãos e/ou a qualidade das experiências dos visitantes". Ou seja, o foco está nas situações em que o impacto do turismo excede os limites físico, ecológico, económico, social ou político daquele destino. O que pode levar, em excesso, à destruição de habitats naturais e ao desaparecimento de espécies de animais e plantas, prejudicando populações nativas e deteriorando patrimónios históricos.

Os exemplos mais visíveis deste fenómeno verificam-se em cidades como Barcelona ou Lisboa, onde os moradores tradicionais têm sido paulatinamente obrigados a procurar outros locais para viver, porque a procura pelos arrendamentos de curta duração (AL’s, Hostels, etc) dominam as zonas mais centrais ou históricas dessas cidades, elevando os preços de tal forma que se torna impossível encontrar espaços para viver. Ou cidades como Veneza ou Amesterdão, onde negócios locais e tradicionais fecharam portas por impossibilidade de competir com concorrentes internacionais. Ou locais como Dubrovnik, na Croácia, onde as massivas hordas de turistas, o ruído e o excessivo barulho que causam, levaram a muitos locais a mudar-se.

Na Madeira há pontos que são de visita obrigatória. Mas a nossa orografia, o tipo de estrada predominante e a localização dos principais ‘spots’, que são procurados tanto pelo turista como pelo madeirense, demonstram desde logo que não estamos preparados para uma corrida em massa. Não sem os tais diversos constrangimentos, como o chegar lá, o estacionamento irregular que perturba a circulação, que fazem perder muito tempo e quiçá disfrutar menos da beleza procurada.

O que fazer? Assim como outras indústrias, a do turismo tem como principal foco o crescimento. Mais turistas e mais dinheiro são propostas atraentes, mas a realidade tem nos mostrado que é preciso considerar a sustentabilidade desse crescimento. Pelo que, se considerarmos um ano turístico como bem-sucedido apenas pelo o seu número de visitantes, podemos não estar a levar em conta todos os factores que são necessários controlar, nomeadamente a capacidade do meio ambiente, dos transportes públicos e dos pontos turísticos têm de comportar essas pessoas. É ainda importante reter qual foi o impacto destas pessoas no destino, nomeadamente verificando a existência de comportamentos que podem prejudicar um lugar e os seus habitantes, o desrespeito pelas regras e os costumes locais, o lixo produzido, etc.

Sendo que não passará pela cabeça de ninguém em simplesmente banir o turismo, especialmente quando aquele é vital para quem, como nós, depende dessa indústria economicamente, o que é preciso é assegurar de que essa atividade seja feita de forma a beneficiar as pessoas e o lugar. Ou seja, para que o turismo seja sustentável, é essencial que ele seja desenvolvido pensando nos interesses, não só dos visitantes, mas também das comunidades locais.

Para isto será preciso que as autoridades responsáveis tomem medidas e envolvam a população na gestão do turismo. E há diversos exemplos mundo fora. Em Machu Picchu, no Peru, o número de visitantes a cada intervalo de tempo foi reduzido, numa tentativa de proteger as ruínas da cidade. Em Amsterdão foi proibida a abertura de novos hotéis dentro da cintura dos canais. Em Dubrovnik foi limitado o número de passageiros de cruzeiro que podem desembarcar ao mesmo tempo. Em Barcelona, uma das medidas tomadas foi o aperto sobre os alojamentos locais. Em muitos dos países africanos procurados para safaris foi implementada uma taxa de turismo, que é usada para conservar os parques naturais.

Como nestes locais, a Madeira não será exceção. Tudo indica que avançará a cobrança de entradas em alguns locais turísticos, já este ano, nomeadamente no Posto Aquícola do Ribeiro Frio e no Miradouro do Cabo Girão, sendo que as verbas arrecadadas servirão para manutenção destes espaços. É um primeiro passo numa série de medidas que forçosamente terão que ser tomadas. Em prol de um destino turístico seguro e sustentado, que sirva o turista, mas, sobretudo, quem cá vive.

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