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Artigo de Opinião

Psiquiatra

12/12/2023 06:00

O tema da violência doméstica é um tema que nunca deve ser deixado de falar até a última pessoa deixar de sofrer devido a uma relação íntima. Nunca nos devemos esquecer da violência que facilmente habita qualquer um de nós. Não devemos ter vergonha de falar sobre isso e de procurar soluções, porque a violência é algo que está ligado à natureza biológica da humanidade e que só a sublimação do nosso lado animal pode terminar com ela.

Não é que biologicamente sejamos diferentes dos animais, afinal somos animais e partilhamos cerca de 94% do nosso código genético com cães e mais de 98% com os primatas. O que nos distingue é a capacidade que tivemos de aumentar o controlo do nosso comportamento e desenvolver a cultura por meio da linguagem. Sem linguagem não há cultura, sem controlo do comportamento não há sociedade. Por isso não, não podemos fazer o que quisermos.

O desenvolvimento da humanidade é demasiado assimétrico e faltou a devida sublimação do nosso lado mais primitivo, de onde se origina a violência, a mentira, o “passar a perna”. Um dos exemplos claros da nossa capacidade de inventar para além do bom-senso, é toda a discussão de como criar sistemas de inteligência artificial de forma a que não destrua ou piore a situação do mundo. Em vez de pararmos para analisar a nossa invenção mais recente, vamos fazer como com as bombas nucleares, ameaçar toda a gente que podemos destruir o mundo para todos.

“Ele é um bom homem” é algo que continua a perturbar-me quando é dito por vítimas de violência. Sem dúvida uma pessoa não é medida por um ato, mas um ato também tem muito significado. É nas situações mais difíceis que se mede o nosso valor, mas sobretudo nas situações em que temos a possibilidade de fazer mal a alguém que se encontra mais frágil do que nós. E a “justiça” da nossa vingança ou do nosso “ensinamento” é completamente errada se envolver violência física ou verbal. A violência não tem desculpa. Uma boa pessoa não é muito boa para “os de fora” e maquiavélica em casa, ou vice-versa.

Tudo piora quando as mães dizem “eu também passei por isso e tens de aguentar”, “ele até é bom marido para ti”, “pelo menos o teu não te bate”, .... Não há pior situação para alguém que está a ser destruído(a) por outra pessoa, do que ter um familiar que deveria ajudar a dizer que a pessoa tem de aguentar e que até tem sorte. Afinal, “podia ser muito pior”.

Se vive uma situação destas, deve pedir ajuda a associações de proteção à vítima. Existem muitas soluções e estas associações fazem a diferença. Todos os dias são salvas inúmeras mulheres e crianças graças ao seu trabalho.

É difícil falar disto, mas também o agressor deve ser falado. Ser-se agressor é maioritariamente uma doença. Pode ser temporária, pode ser uma doença mental ou uma doença social. Esta é a premissa do sistema judicial que procura promover a reabilitação da pessoa que cometeu um crime e, por isso, acabou a pena de morte e a prisão perpétua. Felizmente é possível esta reabilitação e só quando acreditamos ser possível esta reabilitação, podemos de facto construir uma sociedade melhor.

A violência está longe de estar resolvida na nossa sociedade e tem aumentado nos últimos anos. Para podermos mudar, temos de aceitar a violência que existe dentro de nós e trabalhar na sua sublimação. É urgente trabalharmos para a diminuição do conflito, para melhorar a comunicação na sociedade e o apoio mútuo. É mais rápido destruir do que construir. Mas é na construção de algo comum que encontramos a melhor realização humana.

OPINIÃO EM DESTAQUE
Coordenadora do Centro de Estudos de Bioética – Pólo Madeira
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