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Artigo de Opinião

Deputado

26/11/2022 08:00

Que importa a guerra, a inflação, o aumento do custo de vida, a subida das taxas de juro ou o preço dos combustíveis? É hora do mundial! É hora de cá-tar. Cá-tar nas esplanadas; cá-tar nos cafés; cá-tar nas fun-zones que todos vamos pagar; cá-tar dissimuladamente nos ecrãs improvisados dos computadores do trabalho e das empresas. O importante é despachar o que houver para despachar e inebriar-se pelo cá-tar! Enquanto aqueles três vão ao Qatar, a malta alimenta-se com o que cá-tar!

Somos assim. Seduzidos pela paixão do futebol, desapaixonamo-nos das obrigações e das responsabilidades quando o esférico rola entre as quatro linhas. Não o fazemos premeditadamente. Fazemo-lo sem reserva e por instinto. Um instinto que nos ocupa e preenche como se não houvesse amanhã. Como se o futuro fosse um presente de noventa minutos, mais descontos ou prolongamentos. É a nossa condição. Uma condição que toleramos e cultivamos dos mais novos aos mais velhos. Um interregno que nos faz esquecer a dureza dos dias e conduz a uma realidade virtualmente sonhada e raramente concretizada. Sonhamos com o sucesso de um resultado coletivo que preenche insucessos individuais e comunitários. Chegamos a acreditar que nascemos para somente cá-tar e que o nosso mundo se resume a uma área de hectare.

Entre uma e outra partida, há sempre tempo e motivação para discorrer sobre direitos humanos, liberdades e garantias, justiça salarial, segurança no trabalho ou condições de alojamento e alimentação. Discussões infindáveis e superiormente importantes até ao soar do próximo apito, ao rolar do próximo esférico. Discussões que se relativizam quando um fora de jogo vale mais que uma vida perdida. E se a Roménia em breve nos vai ultrapassar no PIB per capita?! Que interesse isso tem quando comparado com a nossa passagem aos oitavos? E se a esta passagem se acrescentar uma mensagem georginiana ao seu CR7, então é o delírio total. Chegar aos quartos é que é e o PIB per capita não nos faz levantar o pé!

Permanentemente invocamos a Noruega, a Finlândia ou a Dinamarca, mas quando a hora é de cá-tar sonhamos com um samba brasileiro ou um tango argentino. É mais forte que a nossa racionalidade ou a nossa veia europeísta. É uma identidade comprada! Provavelmente continuamos a pagar a fatura das descobertas, das temperaturas tropicais, das especiarias orientais, dos odores africanos ou dos meneares bronzeados que vislumbramos por entre palmeiras e praias afrodisíacas. O que nos falta de razão, sobra de paixão!

Não significa que nada disto ou que tudo isto seja mau. A vida é breve e o amanhã pode nem existir. Na verdade, e se calhar, tudo se resume ao instante e à fruição do momento fugaz que se escapa no brilho cintilante do esférico nas malhas de uma baliza. Pelo que bom, bom mesmo, era sermos campeões mundiais e continuarmos a cá-tar, uns com os outros, inebriados e apaixonados, eternamente até depois do Natal.


P.S. Quem já cá não está é o nosso amigo Ivo Sousa. Um amigo que era sportinguista, gostava de cantar e que deixamos cá-tar.

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