Há gestos que, pela sua natureza, transcendem o momento e ganham espessura simbólica. A recente distinção do engenheiro Danilo Matos como Membro Honorário da Ordem dos Arquitetos é um desses gestos: justo, merecido e, dir-se-ia, apenas pecando por tardio. Tardio porque o reconhecimento do seu contributo para o urbanismo madeirense é, na verdade, o reconhecimento de uma geração que pensou a cidade como matéria de cultura, não como expediente técnico.
Conheço bem o Danilo — tenho o privilégio da sua amizade e atenção. Apesar de nem sempre concordarmos, foram inúmeras as conversas em torno do território, da forma como o Funchal se expandiu, da tensão entre o que se constrói e o que se destrói. O Danilo, com a serenidade que o caracteriza, sempre soube transformar o dissenso em pensamento crítico. Mesmo quando bloqueado por decisões políticas ou por visões imediatistas, manteve a verticalidade intelectual de quem nunca renunciou à cidade.
No extinto Gabinete de Urbanização da Câmara Municipal do Funchal, onde desempenhou papel determinante, soube interpretar a complexidade do planeamento com uma rara lucidez. Sob a sua influência delinearam-se propostas estruturantes para a cidade, entre as quais destaco o Plano Parcial da Frente Mar (1969–1985) — um documento que, mais do que um exercício técnico, foi uma verdadeira premonição sobre a pressão turística e a inevitável expansão para oeste. Depois do primeiro Plano Diretor de 1972, nenhum outro instrumento de planeamento teve igual visão estratégica para o futuro do Funchal.
Reconhecer o trabalho de Danilo Matos é, por isso, reconhecer o próprio ato de planear — esse ofício tantas vezes invisível, mas sem o qual o território se perde em improvisos. É também homenagear uma tradição madeirense de engenheiros que souberam pensar a arquitetura com a sensibilidade dos arquitetos, como outrora o fez Fernando Ribeiro Pereira.
A Ordem dos Arquitetos, ao distinguir um engenheiro, presta homenagem à própria ideia de arquitetura enquanto cultura partilhada. E fá-lo com elegância: a de reconhecer que o Funchal que hoje habitamos deve muito ao pensamento silencioso de quem o soube imaginar.
Parabéns, Danilo. Que este gesto sirva não como ponto final, mas como lembrança de que o urbanismo é um trabalho contínuo, feito de diálogo, respeito e persistência. E talvez seja esse o verdadeiro legado do Danilo: ter mostrado que o planeamento urbano não é um mero exercício de desenho, mas uma ética de compromisso com o território e com as pessoas que o habitam. Num tempo em que as cidades se debatem entre o imediatismo económico e a perda de identidade, a sua visão recorda-nos que o ato de projetar é também um ato de cuidar.