O episódio na Assembleia Nacional onde um deputado da extrema-direita teve um comentário racista contra o deputado Carlos Martens Bilongo, de origem angolana e congolesa, chocou a comunidade lusófona e mostram a "xenofobia e racismo" do partido de Marine Le Pen.
"Quando vi o que se passou, fiquei chocada. Achei que não tinha percebido bem o que tinham dito ao Carlos. Isto passou-se na Assembleia Nacional, que deve representar todos os povos em França e foi um comentário ainda mais inapropriado porque este jovem nasceu em França, ele é francês e o deputado que o insultou mandou-o para o continente de origem dos seus pais só pela sua cor de pele. Isto é inadmissível", declarou Fernanda Cabral Semedo, presidente da Federação das Associações Cabo-verdianas em França, em declarações à Agência Lusa.
Na quinta-feira, durante um debate, o deputado Carlos Martens Bilongo, eleito da França Insubmissa pelo Val d'Oise, na região parisiense, questionava o Governo sobre a crise migratória, quando o deputado da extrema-direita Grégoire de Fournas disse "que volte para a África".
Os trabalhos foram suspensos no hemiciclo e Carlos Martens Bilongo, nascido na periferia de Paris de mãe angolana e pai congolês com uma carreira no ensino público e com uma larga experiência ativista, denunciou ter sido vítima de um ataque racista, com Fournas a declarar do seu lado que tinha sido mal compreendido e estava a dizer aqui "que voltem para África" para os migrantes que querem chegar à Europa.
Expressões que segundo o politólogo Jean Garrigues mostram a xenofobia e racismo que continuam a persistir na União Nacional de Marine Le Pen.
"É incontestavelmente um episódio triste porque desde logo é uma enésima provocação que descredibiliza uma parte dos deputados, mas também é uma maneira de mostrar a que ponto estes comentários estão impregnados na cultura da União Nacional. Continua a haver xenofobia, racismo, desconfiança e ódio contra a imigração", declarou o investigador.
Fernanda Cabral Semedo, que também integra o Forum das Organizações de Solidariedade Internacional das Migrações, que representa cerca de 700 associações em França da diáspora de todo o continente africano em França, mostra-se preocupada com este episódio.
"Estou muito preocupada, porque não há limites, não há respeito. Quando nos damos conta de todas as injustiças que já acontecem só por causa da cor da pele de alguém, sentimo-nos impotentes", declarou.
Para Jean Garrigues, que preside ao Comité de História Parlamentar, este episódio só é comparável a episódios de antissemitismo nos anos 30, quando a extrema-direita atacava abertamente os eleitos judeus, indicando que é algo muito negativo para a Assembleia Nacional.
"É algo que é muito negativo para a Assembleia Nacional, dá a ideia de um recreio da escola onde se pode dizer tudo e as pessoas se insultam mutuamente", lamentou.
Entretanto, Grégoire de Fournas foi sancionado esta sexta-feira, ficando com metade do salário suspensa durante dois meses e não podendo sentar-se no seu lugar de deputado durante 15 dias, a pena mais forte que a Assembleia Nacional pode aplicar. Uma pena que para Garrigues não reflete o tamanho da injúria.
"São sanções ligeiras, porque o deputado até já veio tentar encontrar desculpas para o que disse. A possibilidade a seguir é que esta intervenção seja abrangida pelo direito e a lei que prevê a punição nestes casos é a lei Gayssot, que trata da discriminação e insultos racistas. Para isso, a imunidade parlamentar tem de ser retirada ao deputado", explicou.
Marine Le Pen tem mantido as devidas distâncias do seu deputado envolvido nesta polémica, tendo reconhecido que houve "falta de tato" na tirada de Grégoire de Fournas. Já Fernanda Cabral Semedo pede que se fale com os jovens com origens africanas de outra forma em França.
"Estes jovens são franceses, nasceram aqui e têm uma cultura e costumes franceses, mas não se sentem franceses porque estão sempre a mandá-los para sítios que eles nunca sequer tinham pensado. Nós queremos que os nossos jovens participem na vida pública, encorajamo-los a se comprometerem com as instituições, a serem cidadãos franceses ativos, e depois vem alguém dizer que são estrangeiros ou imigrantes", concluiu.
Lusa