Em 1576 a peste ataca a florescente cidade de Milão. A Lombardia era uma das regiões mais ricas da Itália, dum momento para outro a epidemia da peste ataca milhares de vítimas, arrastando consigo a miséria, a carestia e principalmente a morte. Os médicos não sabem donde vem este mal misterioso e, pior ainda, a causa do contágio. Uma das jaculatórias desse tempo, como aconteceu com a peste no Funchal, era pedir a Deus: "A peste, fame et bello libera nos Domine" (Da peste da fome e da guerra livrai-nos Senhor). O Arcebispo de Milão era um pastor providencial, um homem piedoso e santo, com a terrível peste, ele vai mostrar o pastor que a cidade admirava e agradecia a Deus.

Ele estava convicto que a peste era causada pela vida imoral das pessoas, portanto, era necessário socorrer-se de procissões e adoração eucarística. Como Arcebispo e Pastor de almas, ele vai dedicar-se a socorrer os mendigos, os órfãos, as viúvas, todos aqueles que necessitam de socorro e proteção. Num inverno muito frio, faltam vestes, roupas, colchões para os abandonados. Que fazer? Retira os tapetes, as tapeçarias preciosas, as cortinas do seu Palácio, vende e compra tecidos e vestes para os pobres. Mas é preciso atender também aos doentes, recorre aos lazaretos, pequenos hospitais e organiza grupos de voluntários para assistir aos empestados. Pensando que também pode ser vitimado, faz um testamento deixando todos os seus bens ao Hospital Maior de Milão.

O grande escritor Manzoni vai registar toda a história desta peste na sua obra prima "I promessi sposi" (Os noivos).

O menino Caravaggio Merisi nasce em Milão em 1571, quando a peste já invadira a cidade, viu a peste com os seus próprios olhos e sofreu as consequências, a tragédia afetou-o profundamente. Dentro da sua alma fervia um génio artístico que vai influenciar algumas das suas obras primas. O Arcebispo Borromeo quer tornar Milão uma cidade de Deus, faz-se penitente, atravessa a cidade descalço, com veste de luto com a cruz nas mãos para implorar o fim da peste. O jovem pintor atravessa a cidade encontrando mortos abandonados, outros a morrer, sente necessidade de deixar nos seus quadros estes cenários tão cruéis, na sua obra prima "As sete obras de misericórdia".

Com o cessar da epidemia, Caravaggio na sua pintura, prefere os pobres, os excluídos e a pintura religiosa. Uma das suas obras primas encontra-se na igreja de Santo Agostinho em Roma, "A Madona dos peregrinos". O pintor coloca diante da Mãe de Jesus dois peregrinos ajoelhados, a rezar, com os pés descalços, sujos e inchados, testemunha do longo caminho andado, vestes pobres, com remendos já gastos. Uma senhora velhinha com rugas na face, veste trajes populares e uma touca na cabeça. A própria Madonna está descalça como os peregrinos, presta atenção aos pobres apertando o Menino Jesus nos braços. Com esta e outras obras primas o artista apresenta o Evangelho entre os sem abrigo e os excluídos da sociedade, ao mesmo tempo eles são um símbolo de fé e piedade cristã. Com as suas obras primas, Caravaggio ensina o modo de recorrer à Mãe de Deus nas dificuldades e nas misérias quotidianas.

Em Milão, o Arcebispo, com o fim da peste, fez o voto a Deus de peregrinar, a pé, até Chambéry, onde se encontrava o Síndone, ou seja, o sudário que envolveu Jesus no túmulo. O duque de Saboia, devido à longa distância da cidade e idade do Arcebispo, para abreviar a distância, transferiu a relíquia para a cidade de Turim.

O Arcebispo saiu de Milão acompanhado por doze sacerdotes recitando o rosário e meditando pela longa estrada. Alguns nobres e muito povo com tochas acesas acompanharam o arcebispo santo, formando um cortejo que foi sempre crescendo como um longa e luminosa peregrinação, até se ajoelhar diante do sudário ensanguentado com o sangue de Jesus.