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Artigo de Opinião

4/02/2023 08:00

No alheamento dos dias, a doença, o sofrimento e a morte são entrevistos pelo homem comum, na sua pretensa intocabilidade e imortalidade, como algo nebuloso e distante que só acontece aos outros. Se o infortúnio não nos tocar pessoalmente, passa por nós numa atitude de leviana indiferença ou num breve arrepio de misericórdia. A fome em África, as guerras e maleitas do mundo, espreitadas com curiosidade nas televisões, são coisas longínquas que logo se afastam do pensamento e a vida segue igual. O mesmo se passa quando a doença, ou a morte, toca na porta do vizinho. Guarda-se um momento de surpresa e leve comiseração que logo se dissipa como facto consumado que não nos belisca verdadeiramente no egoísmo alucinado dos dias. Todos vamos morrer e todos somos potencialmente clientes do cancro. Era bom que o dia que se comemora fosse aproveitado para parar e reflectir sobre a condição humana, as suas relações e as pequenas e grandes patifarias que lhes andam associadas e procurar refinar o sentido da solidariedade perante o sofrimento alheio. Tomar a consciência de que onde alguém sofre, eu também estarei sofrendo como membro da espécie humana. Como alguém disse: "não perguntes por quem os sinos dobram, eles dobram por ti". E não basta uma visita curiosa e da praxe social a um leito hospitalar ou uma manifestação condoída nas redes sociais por mera necessidade de exibição ou protagonismo. A humanização, mais do que piedosas intenções ou esgares lamechas, impõe a dignificação de um diagnostico atempado, de terapias ao alcance de todos, independentemente da condição social ou económica, de uma atenção generalizada e universal nos cuidados paliativos ou do direito a morrer condignamente com o auxílio do Estado quando for essa a vontade última do doente. Hoje a arte médica garante que o diagnóstico de cancro não é uma condição fatal e que em muitos casos é reversível e curável. Mas infelizmente ainda é uma sentença de morte para muitos. E muitos destes, desenganados pela ciência médica agarram-se à crença desesperada e compreensível de que a desdita pode ser revertida por um ente divino em quem depositam toda a esperança. Não me interessam aqui as manifestações institucionais das multinacionais do credo, mas tão só a convicção pessoal profunda numa entidade superior e com a força suficiente para mudar o destino da doença e da vida. Quem crê leva consigo o aconchego de alguém que o acompanha paternalmente e o escuta nas suas preces, confiando na cura ou aceitando resignadamente que a desventura terá um qualquer desígnio superior a compensar numa futura vida eterna. Outros mais cépticos, na irremediabilidade do seu estado, acabam por fazer um apelo às instâncias de que duvidaram, como último recurso de esperança. Mas que dizer dos não crentes, aqueles para quem não existe esse consolo de acompanhamento superior e paternal? Aqueles que firmemente acreditam que tudo é um mero acaso, um infortúnio que acaba ali e que a vida é uma lotaria insondável, sem qualquer sentido, que os faz sofrer cruamente e a sós? É inquietante constatar que a solidão que enfrenta um não crente é incomensuravelmente mais penosa. E quanta coragem há em persistir nessa convicção solitária. Por tudo isto, não perguntes por quem os sinos dobram, eles dobram por ti.

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