Hoje, pertencer à classe média é ser pobre. O dinheiro chega e sai num foguete e nem dá para perceber muito bem como é que o saldo se reduz rapidamente a dois dígitos.
Dizem que a culpa é da inflação. Que é, de facto, uma das palavras mais ouvidas no ano que está prestes a terminar. E serve de fundamento para todos os males, pois justifica aumentos nos produtos e bens – mesmo os que não têm razão de ser – e paralisa salários.
Ainda recentemente, comparavam-me a inflação a um qualquer truque de magia. A carteira, de facto, fica vazia de repente. Todos sabem que o dinheiro vai desaparecer só que ninguém consegue evitá-lo. Mas esta magia, sem mágico e sem público, não alegra, antes pelo contrário.
É verdade que os ‘médios’ desta vida ganham o suficiente para sobreviver sem apoios. Pelo menos é isso que indicam os regulamentos que definem os beneficiários do dinheiro público. Até porque a tal taxa de esforço que limita, por exemplo, os empréstimos bancários não se reflete nos subsídios. Aliás, mesmo que houvesse este conforto, muitos dos médios sentir-se-iam constrangidos por aceitar ajudas do erário, independentemente de, no fim das contas, sentirem tantas ou mais agruras para fazer face às suas responsabilidades. Outros há que estão bem cómodos e recebem ajudas que chegam de todos os lados. Também se dão... seria de mau tom recusar. E se já se recusam a trabalhar, não dá para rejeitar tudo.
Os pobres dos médios, mas também os médios dos pobres, têm de esticar o orçamento até ao fim do mês. Gastam mais para encher o frigorífico. Mais para educar os filhos, mais para conviver com os amigos, ainda mais para pagar as contas básicas do dia a dia. Não é preciso ser economista para perceber que gastamos muito mais hoje do que no passado recente. E recebemos basicamente o mesmo.
Mas afinal quem é que pertence à classe média? Quem ganha 1.500 euros e tem de pagar renda no Funchal está desafogado? Obviamente que não. Mas não é isso que indica a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento (OCDE), para quem 60% da população nacional encontra-se atualmente na classe média.
Garantem que basta que um individuo aufira anualmente entre os 7.607 euros e os 20.285 euros anuais brutos para não ser pobre. Ou que um casal leve para casa entre 10.758 e 28.688 euros/ano para ter algum conforto financeiro. Os critérios quantitativos são cegos e revelam que quem os determina não tem grandes problemas com a subida do custo de vida. É preciso refletir e mudar...
Esta dicotomia entre pobre e remediado da classe média é cada vez menos notória. Não é nova. Mas tem aglomerado mais famílias no passado recente. Importa perceber o que se passa e tentar construir pilares que projetem alternativas em vez de facilitar a vida a uns e deixar outros abandonados à sua sorte.